21 outubro 2003

"prazer, mas devagar"

Ricardo Reis é um dos heterônimos de Fernando Pessoa. É o dos versos exaltando o classicismo grego. como bom clássico, RR tem lá a sua musa inspiradora, Lídia.

quando eu cometia versos durante a adolescência, o heterônimo com quem eu menos simpatizava era o próprio, mais interessado estava eu nas experiências transgressoras dos modernistas e dos poetas contemporâneos do que em redondilhas e alexandrinos. coisa de moleque.

semana passada minha irmã atiçou meu interesse, ao me contar como tinha, pela primeira vez, lido o "ficções do interlúdio", anos depois de ter praticamente forçado o ex a dar-lhe o livro de presente. comentávamos sobre as características dos diferentes autores, e hoje, levei-o para ler no - arham - banheiro.

dele (do livro, não do banheiro) tirei duas pérolas do RR. uma delas sobre a discrição dos amantes, e outra sobre mania das mulheres de antecipar tudo, ou de só fazer as coisas pensando no futuro. ei-las:

XVII

Não queiras, Lídia, edificar no spaço
Que figuras futuro, ou prometer-te
Amanhã. Cumpre-te hoje, não sperando.
Tu mesma é tua vida.
Não te destines, que não és futura.
Quem sabe se, entre a taça que esvazias,
E ela de novo enchida, não te a sorte
Interpõe o abismo?

XIX

Prazer, mas devagar
Lídia, que a sorte àqueles não é grata
Que lhe das maõs arrancam.
Furtivos retiremos do horto mundo
Os depredandos pomos.
Não despertemos, onde dorme, a erinis
Que cada gozo trava.
Como um regato, mudos passageiros,
Gozemos escondidos.
A sorte inveja, Lídia. Emudeçamos.

...

a propósito, não achei "erinis" nem no houaiss. no entanto, lá mesmo tem "erínia", cuja etimologia francesa érigne ou érine, remetem ao latim aranea - aranha, teia ou fio. faz sentido. as palavras foram grafadas exatamente como no livro. as letras faltando não são erros de digitação. é métrica, manja?

tão pensando o quê? marcelão também é cultura!