19 novembro 2006

as obras (d)e vô negut

novo capítulo na saga da minha diáspora solitária. iniciada a quebradeira, passamos à rodada de conversações com o profissional responsável em ordenar o espaço. e à descoberta de um universo subjacente às paredes. um submundo de nomes e conexões que eu sequer supunha exisitir. para não mencionar as escolhas a respeito de itens aos quais nunca havia dado importância. torneiras, privadas, registros etc. em todo lugar que morei essas coisas simplesmete já estavam lá... só era necessário dedicar algum pensamento quando algo não funcionava de acordo.

na loja, chegou um momento em que não havia mais sentido em ver nada, tudo me parecia igual. minha cabeça girava e não havia sequer um café disponível para recompor meu cérebro. acabei a jornada zonzo e aborrecido, descrente de que terei onde morar antes do próximo ano bissexto.

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como estava com dificuldade em arrumar tempo e paz de espírito para me atracar com o schopenhauer (não, não espero a cura, quero mais é ser intoxicado pela vontade e representação do mundo), não havia nada para que me distrair durante as viagens de ônibus, que têm sido meus únicos intervalos de leitura. até encontrar o kurt vonnegut. topei numa livraria com seu matadouro 5.

escute: a primeira vez que ouvi esse nome foi há 22 anos atrás, quando assisti footloose na volta da minha temporada americana. se pouco me falha a memória, o personagem do kevin bacon se muda para uma cidadezinha poeirenta e conservadora do meio-oeste. num evento social, ele conta que havia lido o tal livro em sua escola anterior, o que deixa o pastor ressabiado, pois obviamente não o considerava leitura adequada à juventude. gravei o título por duas razões: os bizarros significados que o título evocava, e o desgosto do clérigo. afinal, qualquer coisa que desagrade um religioso não pode ser de todo má.

há pouco, esbarrei com a edição da L&PM de café-da-manhã do campeões. o nome do autor me pareceu familiar, mas não lembrava a razão. até que dias depois, achei o matadouro 5 e tudo fez sentido. comprei e o li de uma sentada (epa!). tornei-me dependente químico de vonnegut.

até reencontrar o café... na banca em frente à minha ex-casa, tinha passado os últimos três dias em agonia. e já comecei a fuçar a internet atrás de outros títulos. coisas da vida.

05 novembro 2006

criptographia

ganha um beijo no pescoço quem souber dizer em russo "gosto de menta".

04 novembro 2006

have you ever been?

fuxicando os discos da minha irmã antes de tomar banho para almoçar com a tereza, esbarrei no bão e véi james marshall hendricks. anacronias à parte, electric ladyland é paudurescente a vida toda. não fosse já o danado todo redondinho, ainda tem a homônima canção, curtinha, a qual faço questão de bostejar. ao lado de little wing, é uma das raríssimas coisas que me fazem nostálgico da adolescência.

Have You Ever Been (To Electric Ladyland)

Have you ever been (have you ever been) to Electric Ladyland?
The magic carpet waits for you so don't you be late
Oh, (I wanna show you) the different emotions
(I wanna run to) the sounds and motions
Electric woman waits for you and me
So it's time we take a ride, we can cast all of your hang-ups over
the seaside
While we fly right over the love filled sea
Look up ahead, I see the loveland, soon you'll understand.

Make love, make love, make love, make love.

The angels will spread their wings, spread their wings
Good and evil lay side by side while electric love penetrates the sky
Lord, Lord I wanna show you
Hmm, hmmm, hmmm
Show you

o roto (!) falando pro esfarrapado (!)

augusto dos anjos disse que "o homem, que (...) mora entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera". e talvez seja mesmo assim. e talento deve pegar, porque só isso explicaria uma época tão fecunda de "feras" quanto o rio da segunda metade do século passado. do qual destaco uma pérola recém-descoberta.

Mensagem a Rubem Braga
Vinicius de Moraes

Os doces montes cônicos de feno
(Decassílabo solto num postal de Rubem Braga, da Itália.)

A meu amigo Rubem Braga
Digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever
Mas digam-lhe. Digam-lhe que é Natal, que os sinos
Estão batendo, e estamos no Cavalão: o Menino vai nascer
Entre as lágrimas do tempo. Digam-lhe que os tempos estão duros
Falta água, falta carne, falta às vezes o ar: há uma angústia
Mas fora isso vai-se vivendo. Digam-lhe que é verão no Rio
E apesar de hoje estar chovendo, amanhã certamente o céu se abrirá de azul
Sobre as meninas de maiô. Digam-lhe que Cachoeiro continua no mapa
E há meninas de maiô, altas e baixas, louras e morochas
E mesmo negras, muito engraçadinhas. Digam-lhe, entretanto
Que a falta de dignidade é considerável, e as perspectivas pobres
Mas sempre há algumas, poucas. Tirante isso, vai tudo bem
No Vermelhinho. Digam-lhe que a menina da Caixa
Continua impassível, mas Caloca acha que ela está melhorando
Digam-lhe que o Ceschiatti continua tomando chope, e eu também Malgrado uma avitaminose B e o fígado ligeiramente inchado.
Digam-lhe que o tédio às vezes é mortal; respira-se com a mais extrema
Dificuldade; bate-se, e ninguém responde. Sem embargo
Digam-lhe que as mulheres continuam passando no alto de seus saltos, e a moda das saias curtas
E das mangas japonesas dão-lhes um novo interesse: ficam muito provocantes.
O diabo é de manhã, quando se sai para o trabalho, dá uma tristeza, a rotina: para a tarde melhora.
Oh, digam a ele, digam a ele, a meu amigo Rubem Braga
Correspondente de guerra, 250 FEB, atualmente em algum lugar da Itália
Que ainda há auroras apesar de tudo, e o esporro das cigarras
Na claridade matinal. Digam-lhe que o mar no Leblon
Porquanto se encontre eventualmente cocô boiando, devido aos despejos
Continua a lavar todos os males. Digam-lhe, aliás
Que há cocô boiando por aí tudo, mas que em não havendo marola
A gente se agüenta. Digam-lhe que escrevi uma carta terna
Contra os escritores mineiros: ele ia gostar. Digam-lhe
Que outro dia vi Elza-Simpatia-é-quase-Amor. Foi para os Estados Unidos
E riu muito de eu lhe dizer que ela ia fazer falta à paisagem carioca
Seu riso me deu vontade de beber: a tarde
Ficou tensa e luminosa. Digam-lhe que outro dia, na Rua Larga
Vi um menino em coma de fome (coma de fome soa esquisito, parece
Que havendo coma não devia haver fome: mas havia).
Mas em compensação estive depois com o Aníbal
Que embora não dê para alimentar ninguém, é um amigo. Digam-lhe que o Carlos
Drummond tem escrito ótimos poemas, mas eu larguei o Suplemento Digam-lhe que está com cara de que vai haver muita miséria-de-fim-de-ano
Há, de um modo geral, uma acentuada tendência para se beber e uma ânsia
Nas pessoas de se estrafegarem. Digam-lhe que o Compadre está na insulina
Mas que a Comadre está linda. Digam-lhe que de quando em vez o Miranda passa
E ri com ar de astúcia. Digam-lhe, oh, não se esqueçam de dizer
A meu amigo Rubem Braga, que comi camarões no Antero
Ovas na Cabaça e vatapá na Furna, e que tomei plenty coquinho
Digam-lhe também que o Werneck prossegue enamorado, está no tempo
De caju e abacaxi, e nas ruas
Já se perfumam os jamineiros. Digam-lhe que tem havido
Poucos crimes passionais em proporção ao grande número de paixões
À solta. Digam-lhe especialmente
Do azul da tarde carioca, recortado
Entre o Ministério da Educação e a ABI. Não creio que haja igual
Mesmo em Capri. Digam-lhe porém que muito o invejamos
Tati e eu, e as saudades são grandes, e eu seria muito feliz
De poder estar um pouco a seu lado, fardado de segundo sargento. Oh
Digam a meu amigo Rubem Braga
Que às vezes me sinto calhorda mas reajo, tenho tido meus maus momentos
Mas reajo. Digam-lhe que continuo aquele modesto lutador
Porém batata. Que estou perfeitamente esclarecido
E é bem capaz de nos revermos na Europa. Digam-lhe, discretamente,
Que isso seria uma alegria boa demais: que se ele
Não mandar buscar Zorinha e Roberto antes, que certamente
Os levaremos conosco, que quero muito
Vê-lo em Paris, em Roma, em Bucareste. Digam, oh digam
A meu amigo Rubem Braga que é pena estar chovendo aqui
Neste dia tão cheio de memórias. Mas
Que beberemos à sua saúde, e ele há de estar entre nós
O bravo Capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil
Grave em seu gorro de campanha, suas sombrancelhas e seu bigode circunflexos
Terno em seus olhos de pescador de fundo
Feroz em seu focinho de lobo solitário
Delicado em suas mãos e no seu modo de falar ao telefone
E brindaremos à sua figura, à sua poesia única, à sua revolta, e ao seu cavalheirismo
Para que lá, entre as velhas paredes renascentes e os doces montes cônicos de feno
Lá onde a cobra está fumando o seu moderado cigarro brasileiro
Ele seja feliz também, e forte, e se lembre com saudades
Do Rio, de nós todos e ai! de mim.

03 novembro 2006

somos como cães e gatos

tarrei da solange (inclusive o estilo de apresentação), que, por sua vez, tarrou daqui.

What is a dog?
Dogs spend all day sprawled on the most comfortable piece of furniture in the house.
They can hear a package of food opening half a block away, but don't hear you when you're in the same room.
They can look dumb and lovable all at the same time.
They growl when they are not happy.
When you want to play, they want to play.
When you want to be alone, they want to play.
They leave their toys everywhere.
They do disgusting things with their mouths and then try to give you a kiss.
They go right for your crotch as soon as they meet you.


What is a cat?
Cats do what they want.
They rarely listen to you.
They're totally unpredictable.
When you want to play, they want to be alone.
When you want to be alone, they want to play.
They expect you to cater to their every whim.
They're moody.
They leave hair everywhere.

Conclusion:
Dogs are tiny men in little fur coats.
Cats are tiny women in little fur coats.

diário de bordo

aos três dias do décimo-primeiro mês do ano da graça de dois mil e seis, a.d. (mais de um mês à deriva nesse mundão prenhe de possibilidades.)

minha biografia confirma: desde antes do nascimento, dona sorte sorri para mim. ultimamente tem dado até para ver o vermelhão das gengivas. muitas coisas boas têm esbarrado em mim. o trabalho exige, mas não assusta; as entranhas afinal remendaram-se; e até as nuvens negras que alguns amigos identificaram se afastaram com um pé-de-vento. enquanto isso, bruceleeanamente, sigo buscando ser água, moldando-me a cada recipiente em que sou derramado.

"o que a língua trava, a pena solta". acho que acabei de inventar essa frase, e é tanto o que eu quereria pra mim, que a adotarei como lema. meu analista a teria adorado.

está provado, ônibus são ótimos para a reflexão rasteira. proponho enquadrar ao lado da filosofia de botequim a categoria da "metafísica de ônibus". a ocasião é quase tão propícia ao devaneio quanto ao se lavar louça. com a vantagem de se poder olhar para dentro dos apartamentos e para as pernas das motoristas e caronas nos carros lá embaixo. o único inconveniente é a letra tremida, que dificulta um pouco a compreensão depois.

as palavras são suseranas caprichosas, e por mais que tente, raramente extraio significados precisos. até formulei uma teoria meio maluca de que todos têm uma guerra a combater. pode ser conviver com uma doença ou má-formação, vencer um vício etc., mas sempre será uma superação, interior ou exterior. já sei, o paulo coelho já deve ter dito alguma coisa nesse sentido, mas, a grosso mole, os muçulmanos já tinham um conceito bem parecido -- a tão aviltada jihad. talvez a luta com as palavras seja o combate da minha vida. eu gostaria que fosse. nada mais geminiano...