30 dezembro 2004

o último bostejo do ano (2)

correção: há bostejos atrás, eu rejubilava-me com a interjeição "evoé! zut! zut!". queria então este humilde digitante, fazer gracejos com os parnasianos. no entanto, anta que sou, confundi-me. corrige-me o genial cony, em sua crônica "evoé!", registrada no volume "o harém das bananeiras", de 1999. registro-a aqui:

Evoé

Nunca entendi o que quer dizer. Os jornais de antigamente, ao chegar aquilo que chamavam de "tríduo momesco", botavam nas primeiras páginas, em letras garrafais, EVOÉ! - assim mesmo, em maíusculas e com o ponto de exclamação que foi abolido pelos copidesques que vieram depois e introduziram nos textos da redação o pavoroso "diz que".

Evoé era uma senha, talvez de alegria, talvez de esbórnia, e como nada significava realmente, tanto fazia. Os dicionários explicam que era o grito festivo com que se animavam as orgias de Baco, também conhecidas como bacanais. Triste festa e triste animação que necessitavam de tal palavra para dar início aos trabalhos.

nas Cruzadas, diante das hordas heréticas, os grandes de Espanha e os pares de França gritavam para seus comandados: "Deus vult' - Deus o quer! - em português a exclamação é necessária, pois o "vult"latino já contém uma dose razoável de exclamação. Matava-se ou morria-se por um
slogan. Amava-se também. Na Idade Média, as esposas iam para a cama com uma camisola na qual havia uma fenda no lugar apropriado, com o mesmo estímulo: deus o quer. Como se vê, até para fornicar era aconselhável ter um estímulo suplementar.

Bem verdade que não se precisa de uma senha para morrer e muito menos para fornicar. Essas coisas acontecem no devido tempo - e ainda bem que acontecem. Nada aconteceria, por exemplo, se, ao invés de "Evoé!", fossem usadas aquelas interjeições que os parnasianos freqüentemente colocavam em seus poemas: "Eia! Sus! Sus!"

Fico imaginando o Joãosinho Trinta gritando eia, sus, sus para animar os foliões da Beija-Flor durante os desfiles do carnaval. acho que o técnico de nossa seleção, na Copa do Mundo, após esgotar todas as miraculosas fórmulas táticas de ganhar um jogo, bem que podia pensar no assunto.

Falta a todos nós, tanto no carnaval como no futebol, na vida em geral, um grito de guerra, um "Deus vult", um "Evoé!", até mesmo, em caso de desespero, um Eia! Sus! Sus! Talvez por isso ainda não demos certo.

o último bostejo do ano (1)

não conhecia o radiohead (ok, podem me chamar fóssil. estou acostumado, e, de certa forma, me envaidece). continuo não conhecendo, mas, flanando pela internet, achei essa animação, em cima da música "creep". o vídeo é muito bom (vale a pena ver), a música é bonita, mas a letra é do tipo "sou-um-pobre-adolescente-todo-errado-mamãe-e-papai-não-me-entendem-coitadinho-de-mim-a-gata-do-colégio-não-me-dá-bola-ai-que-vontade-de-ter-coragem-para-cortar-os-pulsos". semcomentários.

e pensar que um dia eu fui adolescente. puá! que vergonha...

29 dezembro 2004

chico "unabridged"

um dos trechos mais contundentes da entrevista do chico buarque ao jornalista fernando de barros, para a folha de são paulo. saiu no domingo, 26/12. quem não tiver acesso ao jornal ou ao uol, me mande um email que envio a entrevista.

Folha - Você faz parte de uma geração de artistas que foi porta-voz de ambições grandes em relação às possibilidades do país. Hoje essas ambições encolheram muito, não se vê mais a perspectiva de mudanças sociais como antes. As aspirações foram redimensionadas para baixo. Como você analisa isso?
Chico Buarque -
Hoje em dia a gente vê pouquíssima margem de uma mudança social. Ao mesmo tempo, em países pobres, como o Brasil é, deveria ser mais do que nunca premente a necessidade de uma transformação social. A situação se deteriora e não se enxerga uma alternativa razoável.
Me preocupa que estamos nos encaminhando cada vez mais para uma situação irracional. Tudo passa pela economia. É difícil. Eu tendo a acreditar nos economistas quando dizem ser impossível gerenciar países como o nosso de outra forma. Quem sou eu para opinar? Eu me sinto muito diminuído, tenho pouco interesse em me manifestar, da mesma forma que tenho pouco interesse em ler opiniões de leigos, de gente desavisada a esse respeito.
Às vezes podem dizer coisas interessantes, ou até brilhantes, mas quando chega a hora de uma discussão mais séria essas opiniões soam quase como um escárnio, coisa de poeta.

Folha - Você se vê pressionado a falar sobre esses assuntos?
Chico -
Eu cada vez mais me abstenho por reconhecimento da minha limitação, da minha ignorância. Aí eu sou realmente modesto. Não sou modesto em relação ao que eu faço como artista. Mas, sobre os rumos ou possibilidades do país, não vejo honestamente que contribuição eu possa dar.
O que eu posso fazer é só constatar minhas perplexidades, meus receios diante desse quadro cada vez mais assustador. Como não se vê perspectiva de mudança a curto ou mesmo a médio prazo, a sociedade toda é levada a um certo conformismo, ou mesmo a um cinismo. Na alta classe média, assim como já houve um certo esquerdismo de salão, há hoje um pensamento cada vez mais reacionário, com tintas de racismo e de intolerâncias impressionantes.
O medo da violência na classe média se transforma também em repúdio não só ao chamado marginal, mas aos pobres em geral, ao sujeito que tem um carro velho, ao sujeito que é mulato, ao sujeito que está mal vestido. Toda essa indústria da glamourização, de quem pode, de quem ostenta, de quem torra dinheiro -enfim, ser reacionário se tornou de bom tom. As moças bonitas no meu tempo eram de esquerda. Hoje são todas de direita (risos).
Boutades às vezes racistas, preconceitos de classe, manifestações de desprezo mesmo pelos mais pobres se tornaram algo muito comum e socialmente valorizado.

Folha - Estamos diante de uma grande restauração, uma grande maré conservadora?
Chico -
Exatamente. E diante da negação de conquistas não só sociais mas também comportamentais. Vejo um pensamento cada vez mais conservador, até mesmo na aparência das pessoas, todo mundo arrumadinho...

Folha - Mas isso convive, no caso brasileiro, com um governo de um líder operário, o que poderia ser visto como uma conquista histórica na contramão desse quadro. Como explicar esse curto-circuito?
Chico -
Em primeiro lugar, acho que a eleição do Lula foi uma vitória. Ter conseguido eleger o Lula talvez tenha sido um último sinal de que algo ainda possa mudar para melhor. O outro lado da moeda é esse de que falei.
O Lula sabe o que o cara do rap está cantando. Ele conhece aquela voz. Outros podiam não conhecer, mas o Lula sabe exatamente o que é aquilo, não há de esquecer. O Lula não tem o direito de ignorar isso. Nessa altura, fico depositando minha confiança pessoal no Lula, minha esperança de que ele encontre uma maneira de pelo menos suavizar esse quadro. Mas esse é um fardo muito pesado. É uma esperança talvez demasiada.
De certa forma, o Lula trouxe o acúmulo de esperanças de muito tempo para um tempo em que elas não podem mais se realizar. E aí não é culpa dele. É por isso que tendo a reagir às críticas que são feitas exageradamente ao Lula.

Folha - Parece que você quer evitar jogar água no moinho dos que dizem que as coisas no governo não funcionam ou que o Lula é igual ao Fernando Henrique.
Chico -
Não quero jogar, porque já tem muita água nesse moinho. Vejo muita gente com ódio pessoal do Lula. E não vejo essa gente verbalizar com argumentos essa oposição tão visceral ao Lula. Parece que há uma certa vergonha de ter um presidente como o Lula, um operário, um sujeito com um dedo a menos e que fala errado. Uma vergonha de ver o Lula representando o país lá fora. Percebo isso em gente próxima. E vejo isso na mídia também. Na verdade, isso deveria orgulhar um brasileiro -ter um homem com as origens sociais do Lula na Presidência da República.

Folha - Isso é um avanço em relação à era tucana?
Chico -
Deveria ser também motivo de satisfação ter tido um professor, um sociólogo como o Fernando Henrique na Presidência. Foi um progresso. Nós vínhamos de anos e anos de generais, que não eram eleitos, depois tivemos o Sarney, acidentalmente, o Collor e o Itamar. A eleição do Fernando Henrique foi um salto qualitativo. É um intelectual, um homem com estofo. Agora, também não concordo com aquela satisfação que se viu no nosso meio -"é um de nós, finalmente". Não quero um de nós na Presidência (risos). Não quero ser presidente. Não gostaria que meu pai fosse presidente da República. Não é por aí. Também não acho que o fato de o Lula não ter curso secundário completo seja em si uma virtude. Virtude é ele poder ter sido eleito. Ele pode ser um bom ou um mau presidente. O Brasil ter eleito Lula contradiz tudo o que eu disse há pouco a respeito de um país que parece cada vez mais estar contra gente como o Lula. E volto a repetir: não vejo apenas um sentimento contra o marginal, o traficante, o ladrão. Mas contra o motoboy, contra o desempregado, contra o sujeito que não fala direito, isso apesar de a elite brasileira falar muito mal o português. Constato um sentimento difuso quase a favor do apartheid social.

(...)
Folha - O Rio, onde você mora há muito anos, também mudou muito de cara, em termos sociais. Na sua música, quando a gente pega, por exemplo, dois sambas como "Estação Derradeira", de 1987, e "Carioca", de 1998, percebe-se com clareza essa mudança. Os personagens são outros, a atmosfera é outra, a barra é muito mais pesada, apesar dos muitos encantos da cidade. Como você sente isso no dia a dia?
Chico -
O clima hoje na cidade é muito mais pesado. Para não falar lá de cima, na própria zona sul já há territórios demarcados. Eu conheci a praia como um espaço democrático. Hoje em dia já se sente no ar a idéia de que vai existir logo uma fronteira entre Ipanema e o Leblon. Tem um pessoal na altura do Jardim de Alá [moradores de um cortiço na rua do canal que divide Ipanema e Leblon] que desce ali e ocupa a praia. Vira uma paranóia, vira uma hostilidade com esses garotos que ficam circulando ali. Assaltar na praia é o pior negócio que existe. De vez em quando acontece. No dia seguinte, vem a polícia e enfia os meninos no camburão, quando não faz coisa pior. Eles querem tirar da praia, sumir com eles dali. Não vai ter onde botar esses meninos.
As soluções sugeridas para isso, as coisas que eu leio nas cartas dos leitores dos jornais, em geral são fascistas. Virou moda responder a quem defende os direitos humanos com o trocadilho infame dos "humanos direitos" contra os vagabundos que nos retiram o direito de andar livremente pelo calçadão. Isso quando não se defende abertamente a pena de morte, a reclusão dos garotos de rua, a diminuição da maioridade penal, a prisão perpétua. Eles querem exterminar com os pobres do Rio. Se puderem sumir com aquilo tudo -ótimo. Os meninos são os inimigos, são os nossos árabes, são os nossos muçulmanos.

Folha - E o problema cada vez mais grave do tráfico, como fica? Porque o tráfico virou talvez a única perspectiva de ascensão social, ou de possibilidade de um enredo vitorioso na cabeça de um menino morador da favela.
Chico -
É. Assim como o futebol ou o pagode, o tráfico virou um veículo de ascensão, de chance de ter dinheiro, poder, mulheres e fama, mesmo ao preço de uma vida muito curta. É o que se reserva para um menino sem estrutura familiar, sem emprego, sem quase nada. Eu não vejo outra saída para a violência ligada ao tráfico senão a descriminalização de alguma forma, não sei se total ou parcial, das drogas.
Lembro de ter lido nos jornais que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, era favorável a essa idéia quando tomou posse. Não sei porque o governo não levou e não leva essa discussão adiante. Isso pode ser desgastante para os índices de popularidade do governo, talvez por isso ninguém toque no assunto.
Talvez pensem que não é o momento de enfrentar o problema em razão de alianças e de compromissos com os evangélicos do PL, essas coisas. Mas se não enfrentarem o problema agora, quando é que vão enfrentar? Se o Lula não enfrentar... Isso tem a ver com tudo o que a gente estava falando antes, com o rap, com o que os garotos da periferia estão falando, com a falta de perspectivas, com a violência toda que está ali, manifesta nas canções.
O Lula sabe muito bem o que é isso. Se não encarar isso, não sei quem vai fazer. Não entendo por que não se discute isso a sério.

Folha - Você acha que o governo, para além dos constrangimentos econômicos, está deixando escapar entre os dedos oportunidades históricas de intervenção social?
Chico -
Acho. Acho. Entendo os compromissos, o FMI, a dívida etc. Tudo bem. Mas isso não tem nada a ver com essas outras omissões. Ou é isso ou é a Bíblia.

dedo (sujo) na ferida

quem sou eu para mensurar tragédias? no entanto, é curioso ver a velocidade com que europeus e americanos estão se mobilizando para mandar ajuda financeira e humanitária para as vítimas da "tsuruba" asiática. por pura provocação, digo quatro palavras: somália, ruanda, haiti e iraque.

ou será que os abastados do primeiro mundo estão apenas com medo de perder seus exóticos balneários?

28 dezembro 2004

enquanto houver irresponsabilidade, não à árvore da lagoa!

se a bradesco é tão pródiga em utilizar o espaço público (a lagoa rodrigo de freitas, ou sacopenapã, para os íntimos) na tentativa de criar uma atração turística para a cidade, bem que poderia apresentar alguma cidadania na sua conservação: da inauguração ao desmanche (de 27/11 a 06/01), a árvore leva diariamente o caos ao trânsito e à ciclovia, com centenas de pessoas e ambulantes de guloseimas e quinquilharias (alô, alô, fiscalização municipal!), que acabam emporcalhando tudo.

a população tem todo o direito à diversão, mas que tal oferecer lazer com responsabilidade? já que a bradesco seguros instalou na cidade o que deve ser um dos maiores outdoors ao ar livre do mundo, bem que podia arcar com o ônus da confusão: pagar as horas extras dos fiscais de trânsito da prefeitura, contratar firmas de limpeza e de jardinagem, para conservar a integridade da paisagem, pelo tempo em que ocupar um espaço que não lhe pertence. a árvore, segundo nos querem fazer crer, "é de todas as famílias". mas a cidade, também. e a lagoa precisa estar apresentavel para receber visitantes nos outros 325 dias do ano.

vamos tomar vergonha na cara e não nos deixar seduzir: em troca dos espelhinhos e miçangas, eles normalmente pedem nosso ouro, nosso suor e nosso sangue.

25 dezembro 2004

fabulazinha babaca (para combinar com o espírito natalino)

- papai noel, você rói unha?
- rôo, rôo, rôo!

21 dezembro 2004

humilde contribuição para o espírito natalino (quem ler, lerá)



O guardador de rebanhos - Alberto Caeiro
Poema VIII


Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
e eu levo-o ao colo para casa.
.............................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
......................................................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
.....................................................................
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

guimarães rosa já sabia...

como dizia o impoluto criador de augusto matraga: "todo mundo tem sua hora e sua vez". a minha está próxima, muito próxima.

a massa ainda vai provar do meu fino biscoito. evoé! zut! zut!

15 dezembro 2004

o despertar dos idiotas

O grande acontecimento do século XIX foi a ascensão espantosa do idiota. Até então, o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. Não vejam em minhas palavras nenhum exagero caricatural. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais atreveu-se a mover uma palha, ou a tirar uma cadeira do lugar. E então, aquele sujeito que, em 50 mil, ou cem, ou duzentos anos, limitava-se a babar na gravata, aquele sujeito, dizia eu, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturamente etc. Houve, em toda parte, a explosão triunfal de idiotas. Muitos estranham a violência da nossa época. Eis um mistério nada misterioso. É o ódio do idiota, sempre humilhado, sempre ofendido, sempre frustrado, e que agora reage com toda a potência de seu ressentimento.

Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobrem que são em maior número e sentem a embriaguez da onipotência numérica. Bertrand Russell diz, por outras palavras, que sem o ódio não exixtiriam nem Marx, nem marxistas. Mas a vitalidade do marxismo depende dos idiotas.


Nelson Rodrigues. O Pesadelo Humorístico (p. 72), in: O reacionário, memória e confissões.

mais um trecho genial do Nelson Rodrigues. o que importa se ele fala mal de marx? um sujeito que teve peito para dizer uma coisa dessas, com tal ironia, num jornal diário, em pleno 1969, merece meu crédito. é um iconoclasta fantástico. vejam que ele não tem a menor preocupação de teorizar ou embasar sua opinião.

são passagens como essa que me orgulham de ter forçado barra para batizar minha turma de faculdade com seu nome. evoé! zut! zut!

perdoai-os, senhor. eles sabem o que fazem...

fui vítima de uma nova forma de tunga eclesiástica. ontem, como fiz durante os dois anos do mestrado, fui estudar na biblioteca da puc. cheguei à uma e saí às oito, e como de hábito, utilizei um dos armários para guardar mochila e livros. eis que, na hora de devolver as chaves, descubro que agora foi instituída a renovação do empréstimo do armário a cada quatro horas. resultado: fiquei devendo, por estar totalmente desprovido de erário (sim, meus credores, nada ainda).

estava, enfim, explicada a reforma desnecessária no hall da biblioteca, já anteriormente impecável; a maquiagem do ambiente, que nada mais fez do que colorir armários e paredes. porra, está certo que o aviso estava (discretamente) escrito junto ao guichê, mas custava o funcionário dizer também? como se aqueles jesuítas nababos já não arrancassem o couro dos alunos para sustentar as mordomias de seu latifúndio na gávea!

se deus existe mesmo, precisa urgentemente contratar um assessor de imprensa (estou à disposição, viu, senhor?) ou um relações públicas (hoje a profissão tem uns nomes mais feios, todos derivados do inglês). isso porque seus mininstros e representantes do lado de cá só têm feito lambança. como diria o profeta gentileza, num documentário sobre sua vida que assisti há alguns anos, "o papa só quer saber de papar, os pastores, de pastar; no vaticano só se come com talher de ouro". e a usura continua solta, com espetáculos catódicos de exoercismo e danças imbecilizantes que fariam jesus descer da cruz para açoitar os vendilhões do templo. quando eu ainda mantinha alguma relação com a igreja católica (a última vez em que entrei numa igreja para rezar foi aos quinze anos, quando fui praticamente forçado pela família a fazer a primeira comunhão, no colégio militar), aprendi que a usura é pecado. dos brabos.

09 dezembro 2004

pití global

não sou de aderir às fofocas das estrelas, mas essa aqui, chupada do comunique-se tá boa demais. me furto ao duireito de qualquer comentário. julgue que ler:

Autor de novela se irrita com textos de jornalistas

Da Redação

O autor da novela "Começar de Novo", exibida às 19h pela TV Globo, reagiu de forma irritada a uma nota publicada na Folha de S. Paulo, na coluna de Daniel Castro, e um artigo da revista Veja, assinado pelo jornalista Ricardo Valladares. Os dois receberam um e-mail de Antonio Calmon, prometendo reagir sempre que as críticas o atingirem.

Castro dizia em uma nota - somente para assinantes do UOL - que "insatisfeita com a trama e a audiência em queda de 'Começar de Novo', a cúpula da TV Globo deu duas semanas, a partir desta, para o autor Antonio Calmon acertar os rumos da atual novela das sete. Caso contrário, a produção, prevista para durar no ar até abril, deverá ser encurtada", enquanto Valladares comentou as mudanças nos personagens e a entrada repentina da atriz Carolina Ferraz.

Segundo nota da TV Globo, Calmon está de licença médica por 30 dias, devido a uma crise de hipertensão, stress, dor precordial e dispnéia. Ele deverá se submeter a vários exames médicos durante esse período.

Valladares disse que não vai comentar o assunto. Castro não foi encontrado por nossa redação.

Leia a carta enviada pelo autor de "Começar de Novo":

"Bom dia, Daniel Castro! Dormiu bem? Como se sente depois de ter provocado em mim uma crise de hipertensão? Feliz? Realizado? Parabéns!, a partir de hoje você será finalmente famoso, quer queira, quer não. A má notícia? Você se meteu com um sujeito que não tem medo de nada, que escreve mil vezes melhor e que fará tudo para devolver o café da manhã que você me serviu anteontem.

Meu coração poderia ter explodido. Uma veia em meu cérebro poderia ter estourado. Mas, para desgraça sua, isso não aconteceu. Por que você faz esse tipo de coisa? Inveja? Para agradar seu editor? Acha que consegue um aumento? Espera tornar-se Um Deles? Péssimas notícias para você, Daniel. Você jamais será Um Deles. Quarenta anos, uma coluna de tv num jornal esnobe, os artigos realmente importantes sendo escritos pelas duas mulheres, a barriguinha crescendo, essa vidinha de merda... Não vejo muito futuro para você.

Você e o Ricardo Valladares trocam figurinhas quem nem duas colegiais maldosas no início da puberdade? Ele te contou como torceu minhas palavras e jogou-me contra a jovem atriz? Vocês deram risadinhas malvadas com a dor que ele inflingiu a ela, culpando a mim, e que você agora repicou? Vocês acham que podem manipular a verdade a esse ponto, impunemente?

Eu vi esse outro cretino, pomposo e arrogante, com sua roupa cafona e barba pretensiosa, andando pela festa da novela como se fosse dono dela. Foram logo me avisando: esse cara é uma cobra, cuidado com ele! Ele me cumprimentou do alto da sua mediocridade. Patético e deslumbrado, um infeliz que nem você, visivelmente mal resolvido. Ao telefone, mal conseguia disfarçar o prazer que estava sentindo em me apunhalar. Eu só queria promover a Carolina Ferraz. Ele estava mais interessada em desmoralizar a Giselle Itiê. Por que vocês odeiam tanto as mulheres? Por que você faz um trabalho de mulher?

Um homem casado, com filhos, que inventa fofocas sobre a vida conjugal de um homem descasado, com filhas, não é um homem digno de respeito. O Marcos Paulo te perturba tanto assim, Daniel? Você acha que ele não é um galã, meu bem? Você não tem vergonha de fazer mexericos da Candinha? E seus ideais de juventude, onde foram parar?

Temos muitos meses pela frente. Toda vez que mencionar meu nome ou meu trabalho, cada vez que agir tão baixo com outra pessoa como fez comigo anteontem, eu juro que descerei sobre você e te exporei nu, a todos. Você é transparente, Daniel Castro. Senti a depressão e a covardia na tua voz ao telefone. Por mais neutro e digno que tente ser seu estilo, você está lá inteiro, no esplendor da sua insignificância. Vai ser moleza.

Não importa que você não leia minhas mensagens, a conselho de seu analista ou advogado. Os outros lerão. Não importa que você mude seu endereço de e-mail ou ponha um filtro em seu computador. Os outros saberão. Estarei sempre mandando mensagens como essa. Com a mesma frieza com que você e o Ricardo Valladares provocam sofrimento nas outras pessoas. Seja bem-vindo ao Outro Lado.

Aprendi com um samurai cego: para poder bater nos outros, é preciso saber apanhar. Eu vou te ensinar a apanhar, Gafanhoto, lição por lição.

As hemorrídas [sic] do fã purista do pop vão arder.

Antonio Calmon


12/3/2004