ainda estou sob o impacto de as invasões bárbaras. é sem sombra de dúvida um dos melhores filmes que já vi. apaixonante, singelo, politicamente incorreto, sexista...posso gastar teclas e teclas de adjetivos e elogios. roteiro afiado, atores idem (destaque para a junky interpretada pela marie-josée croze, que além de tudo é portadora de uma beleza narcótica).
levante já essa bunda da cadeira e corra até o cinema!
mas não era sobre isso que eu queria falar. o personagem principal está à beira da morte, e desfia uma série de questões sobre o sentido de sua vida, e lamenta-se pelo que poderia ter feito. isso mexeu muito comigo. minha crença em vida após à morte, reencadernação etc. é variável. depende mais do dia e do interlocutor do que de uma certeza interna. se o sujeito é crente na matéria e eu estou num bom dia, sou até capaz de acreditar. mas às vezes sou cético, acho tudo isso besteria; a gente morre, vira comida de verme e pronto. afinal de contas, é muita pretensão querer conservar o ego além da matéria, né? ah, não, faça-me o favor... quando chegar minha vez de tocar harpa na terra do pé junto, quero descansar de ser marcelo. apagar a ficha, zerar a contagem, e que tudo o mais vá pro inferno!
mas também não era exatamente isso. recapitulando: o cara questiona o sentido da vida - e fiquei pensando que talvez não haja nenhum. talvez o importante seja perceber isso e aproveitar tudo até o momento de atar as duas pontas do nada. mas sem egoísmo, pois a fila atrás de você é interminável, e a toda hora chega mais gente. então, o importante é manter a casa arrumada (não apenas para os seus), porque eles têm tanto direito a curtir tanto quanto você.
a receita deve ser mesmo ouvir boas músicas, ler bons livros, cultivar amizades e atrasar contas; porque afinal, já que você vai perder um tempão por aqui, o ideal é que pelo menos você se distraia durante a estada. e o resto que se dane!
certo deve estar o Richard Dawkins, que escreveu que não passamos mesmo de um amontoado de genes egoístas, cuja única função é a auto-reprodução. o gene só quer saber de se perpetuar, e vem daí toda a aventura da vida, seja ela um vírus, um cocker spaniel, o paulo maluf ou a luana piovani (aliás, luana, se o seu gene quiser se reproduzir às minhas custas, é só mandar um imeio que a gente de cá dá um jeito, viu?). veja bem: qual a utilidade de um mosquito ou de uma barata, a não ser se multiplicarem ao ponto de se tornarem uma praga ou uma epidemia? não há qualquer explicação para eles, salvo o egoísmo genético.
como explicar a rãzinha do deserto do arizona, que passa a vida toda enterrada na areia, só saindo durante o período das chuvas, quando têm não mais que uns quinze dias para chegar à superfície, procurar uma fêmea, cruzar, procriar e se enfiar de novo no chão, onde passrá mais um ano sem fazer absolutamente nada, em estado de quase hibernação. que sentido tem essa vida bunda? que sentido tem a nossa? só porque construímos torres e as explodimos, escrevemos livros e os queimamos, criamos deuses e os esquecemos? cantamos, dançamos, andamos de bicicleta, nos equilibramos sobre o meio-fio, caímos, enfiamos moedas no nariz, chupamos gilete, somos explorados no trabalho e corneados, jogamos no bicho, nos apaixonamos, levamos fora, choramos, bebemos guaraná com formicida, rimos, algumas vezes envelhecemos, e sempre haveremos de morrer. e sabe de uma coisa? isso é tudo. kaput. surpresa! esse papo de transcendência é só para confortar as crianças, os angustiados e os que têm medo de se arriscar. "ah, nessa vida fui pio, casto e só rezei, mas quando chegar do outro lado vou botar pra quebrar, vocês me aguardem!" não senhor, querido. o tíquete só dá direito a uma viagem. bobeou, perdeu. depois daqui, babau. já era. se a tua energia se decompõe e se recompõe com outras para formar uma nova pessoa, não sei. nunca ninguém achou o caminho de volta para contar.
acho que o assunto deveu-se também ao impacto de descobrir Lugal e Nin, os imortais do Max Mallman. ou será o próprio Max um deles? respostas (e mais dúvidas) no zigurate.
aliás, Max, parabéns. li o livro de quase um fôlego. agora vou atrás da epopéia de gilgamesh. não consigo mais parar. ah, rapá, você me paga...