e lá estava eu, debaixo de um calor opressivo dentro das calças jeans e da camiseta escura, pés e meias ensopados de suor, a ressaca atirando dardos no meu cerebelo, a meio caminho de encontrar meu passado. e se não foi bonito, tampouco foi feio. mais parecido com pele morta.
tudo quase como eu havia deixado, com exceção das duas fotos sobre as estantes - estandartes da minha derrota definitiva. eu não conseguia ser engraçado. não conseguia ser nada. o ar faltou, e enquanto falavam ao telefone, busquei a janela da sala. a paisagem resplandecia imóvel, lentamente cozida pelo sol. recuperei-me, e de volta ao quarto, senti-me um pouco mais presente. a ressaca agora atravessava meu crânio com um picador de gelo, e no almoço tomei uns goles de cerveja para rebater. no ônibus, tinha me esforçado para não cair num pranto de auto-piedade pela antecipação do encontro. mas agora, durante o refeição, podia quase reconhecer o velho eu de volta, viçoso, contando histórias e arrancando sorrisos.
quando saímos, entretanto, sabia que o assunto viria à tona. minhas chances eram escassas, e me fechei em copas. mas não fui esperto o suficiente, e uma pergunta me abriu a guarda, expondo meu flanco mais débil. deixei pingarem algumas gotas sobre a situação, mas veio óleo quente sobre as minhas esperanças. respondi com sobras de ironia - quase um dândi - mas meu destino estava consumado. sem perceber, servi meu nervo de bandeja. ela estava certa, eu errado. deixei a emoção tomar conta da situação - embora mais tarde, analisando tudo, no íntimo eu soubesse que ela precisava de uma vitória. sua certeza e paz só seriam completas quando eu me humilhasse. mas no calor do momento, os pensamentos eram amargos: "espero que a proximidade destrua as ilusões", ou "um dia, o amor chegará para mim, esplendoroso, e ao seu lado desfilarei em triunfo".
ao mesmo tempo, pensei quem era eu para querer ainda amor depois de tantas oportunidades atiradas à lama, depois do rastro de corações despedaçados que até hoje marca meu caminho, e às vezes me assombra na escuridão da noite. algum dia terei paz? algum dia serei capaz? algum dia merecedor? alguém?
isso me lembra um poema de Drummond. afinal, mesmo as derrotas precisam de estilo:
Coisa Miserável
Coisa miserável, suspiro de angústia
enchendo o espaço,
vontade de chorar,
coisa miserável,
miserável.
Senhor, piedade de mim,
olhos misericordiosos
pousando nos meus,
braços divinos
cingindo meu peito,
coisa miserável
no pó sem consolo,
consolai-me.
Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe
ou, quem sabe? para um céu vazio.
É melhor sorrir
(sorrir gravemente)
e ficar calado
entre duas paredes,
sem a mais leve cólera
ou humilhação.