as memórias musicais mais marcantes da minha infância são bete carvalho cantando "coisinha do pai" e maria alcina interpretando "kid cavaquinho", ouvidas na rádio mundial, lá na tijuca, com a minha irmã bete. tinha também o elvis (de quem assisti o último show, transmitido pela tevê), a "melô da asa delta", o peter frampton, a nikka costa (minha primeira paixão infantil, depois da minha prima renata, aos quatro anos), mas o grosso era samba, mesmo.
aí fui morar nos estados zunidos, e como era de se esperar, voltei intoxicado, nem tanto pelo roquenrrou, mas por um popizinho muito do sem vergonha. com o tempo, os representantes da língua inglesa tornaram-se mais encorpados, e vieram beatles, ella, billie holliday, louis armstrong, dave brubeck, e porque não, black sabbath, sex pistols, dead kennedys e outros que tais.
com a adolescência afloraram a revolta, o comunismo, a maconha, o álcool, o sexo e descoberta da psicodelia dos mutantes, mais a poesia de chico, gil & caetano, joba, giba, dorival e nana. até o dia em que esbarrei nos discos do meu primo paulinho, em especial na coleção completa de música brasileira lançada pela editora abril nas bancas, nos anos 70. foi uma epifania embalada por pixinguinha, donga, joão da bahiana, blecaute, mario reis, chico viola, quatro ases e um coringa, aracy de almeida, sinhô, herivelto martins, geraldo pereira, dolores duran, e ela, a maior de todas, a divina elizete cardoso.
eu e meu bróder joão trocávamos figurinhas musicais, ele na viola e eu assassinando os vocais. depois veio o ricardo, nos apresentado pela ana sylvia. daí para a criação do cordão do boitatá foi um pulo, questão de reunir mais uma galera.
mas como diria chico, por conta de umas questões paralelas, me retirei do grupo. logo em seguida, o núcleo passou por uma fissão, e alguns dos treze integrantes partiram para projetos próprios, mais identificados com os gostos individuais. mas o carinho permaneceu.
tô enrolando à vera pra contar que o motivo de tudo foi eu ter ido na sexta passada ao "flor do chorume". pra quem não conhece, é o samba da rua do mercado, onde ficava a bolsa de valres, no centro, já tinha ouvido falar, mas nunca tinha dado às caras lá. e qual não foi minha surpresa ao topar com a gangue toda do boitatá, que além de comandar o espetáculo, comemorava a última promissória paga de um casarão que compraram, lá mesmo, em parceria com o abayomi (das bonequinhas negras) e o teatro do anônimo. a felicidade e o samba me contagiaram. e fiquei feliz quando o ricardo me apresentou numa roda como um dos criadores do boitatá.
no sábado, salsão, gabi e marçuda e eu fomos ao candongueiro, no lançamento da biografia do adoniran pelo andré diniz e patroa, a juliana. putaquiupariu! o lugar é demais, e o melhor é que fica a um espirro da casa do zé luis, namorado de mi mamã. tamos combinandos, mái sister e eu, de voltarmos lá no sábado pra ver a teresa cristina.
e por último, mas não menos importante, está o Laranjada Samba Clube, o bloco aqui da general glicério, do qual farei parte da bateria, se deus quiser. para isso, venho atacando uma caixa toda segunda. já tô conseguindo enganar legal, e no sábado de carná pretendo estar tinindo.
o samba, meus amigos, é a suprema felicidade. é inspirador de uma alegria que eu não sentia desde os tempos do boitatá, e da qual eu andei afastado tanto tempo. a alegria de participar, de misturar-se à massa e ser - cantando, tocando, dançando ou simplesmente curtindo - parte importante de uma totalidade de prazer. o sonho de fusão que os regimes totalitários tentaram através da coerção pela violência e pelo medo, e por isso fracassaram.
o samba é a grande utopia.