13 janeiro 2004

algum kaváfis

a primeira vez que ouvi falar de konstantinos kaváfis foi no filme "morango e chocolate". o personagem do gay, em meio ao processo de sedução do jovem militante cubano, apresenta-lhe uma poltrona do apartamento, especial "só para ler kaváfis". depois foi meu amigo carlos arimathéia que, numa tarde de preguiça na calógeras, em companhia da laura, nos leu Ítaca.

desde então procurei o livro que, acredito, seja o único do poeta alexandrino (de nacionalidade, não de métrica), editado no brasil pela nova fronteira. quando trabalhava no bondfaro, descobri que o safado não tem isbn. pode checar. alguma mutreta deve ter aí...

mas, enfim, separei alguns poemas do cabra, pra dar vazão de vez à esse mormaço que vai em minh'alma.

(virge! alguém me segura que hoje eu tou co'a breca!)

Desejos

belos corpos de mortos que nunca envelheceram,
com lágrimas sepultos em mausoléus brilhantes,
jasmin nos pés, cabeça circundada de rosas -
assim são os desejos que um dia feneceram
sem chegar a cumprir-se, sem conhecerem antes
o prazer de uma noite ou manhã luminosa.

Fui

Não me deixei prender. Libertei-me de todo e fui
em busca de volúpias que em parte eram reais,
em parte haviam sido forjadas por meu cérebro;
fui em busca da noite iluminada.
E bebi vinhos fortes, como
bebem os destemidos no prazer.

Jura

A cada pouco jura começar vida nova.
Mas quando a noite vem com seus conselhos,
seus compromissos, com suas promessas;
mas quando a noite vem com sua força
(o corpo quer e pede), ele de novo sai,
perdido, atrás da mesma alegria fatal.

Ao fim da tarde

Não duraria muito, em todo caso. A prática
dos anos me ensinou. Então, subitamente,
veio lhe dar um fim a Sorte.
Os aromas, porém, como eram fortes.
Em que leitos esplêndidos deitamos.
A que prazeres demos nossos corpos.

Um eco daqueles dias de prazer,
um eco daqueles dias me voltou,
um pouco da chama de nossos juvenis transportes.
Peguei nas mão uma das cartas, absorto, e
a li, uma e outra vez, até a luz faltar-me.

E saí para o balcão, melancolicamente
- saí para distrair os pensamentos, ver ao menos
um pouco da cidade bem-amada,
um pouco do movimento de suas ruas e lojas.