30 janeiro 2004

augusto dos anjos já sabia

achei aqui as obras completas do poeta de pau d'arco, paraíba. o sacana morreu com 30, a idade que tenho hoje. deixou apenas um livro publicado, que depois engordado com outras poesias soltas, é editado até hoje com o título de "Eu e outros poemas".

me faz lembrar os idos dos meus 17/18 anos, quando eu vivia fundo a boemia, cometia umas poesinhas, e dei ao meu ao meu pai seu mais profundo desgosto: não ter ficado tuberculoso. é que ele, meio (pra aliviar) hipocondríaco, tinha certeza absoluta de que minha vida dissoluta não era nem uma rima, nem uma solução. mas que me renderia várias hemoptises.

eu, no entanto, chato, cri-cri e metido a dono da verdade como qualquer adolescente que mereça o título, não dei o braço a torcer e mantive uma saúde de ferro - tirando o fígado, coitado, que nessa época levou surras homéricas.

mas, voltando ao dos anjos, dele selecionei essa pérola. meio cascuda, mas muito boa:

Versos de amor

(A um poeta erótico)

Parece muito doce aquela cana.
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda!
O amor, poeta, é como a cana azeda,
A toda a boca que o não prova engana.

Quis saber que era o amor, por experiência,
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,
Todas as ciências menos esta ciência!

Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte
Amas, aposto a mim. Por conseguinte
Chamas amor aquilo que eu não chamo.

Oposto ideal ao meu ideal conservas.
Diverso é, pois, o ponto outro de vista
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta
Modo de ver, consoante o qual, o observas.

Porque o amor, tal como eu o estou amando,
É Espírito, é éter, é substância fluida,
É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, não o estar pegando!

É a transubstanciação de instintos rudes,
Imponderabilíssima e impalpável,
Que anda acima da carne miserável
Como anda a garça acima dos açudes!

Para reproduzir tal sentimento
Daqui por diante, atenta a orelha cauta,
Como Mársias - o inventor da flauta -
Vou inventar também outro instrumento!

Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo
Ambiciono, que o idioma em que te eu falo
Possam todas as línguas decliná-lo
Possam todos os homens compreendê-lo!

Para que, enfim, chegando à última calma
Meu podre coração roto não role,
Integralmente desfibrado e mole,
Como um saco vazio dentro d´alma!