25 março 2004

glauber rocha na vidraça alheia

por conta da recente polêmica em torno do filme do silvio tendler sobre o glauber rocha, separei umas frases do incendiário cineasta retiradas de uma entrevista concedida ao zuenir ventura, em 1980, retirada do livro cultura em trânsito: da repressão à abertura, da editora aeroplano. infelizmente, ainda conheço pouco a obra do glauber, mas desde que topei com essa entrevista, corro atrás de tudo que ele escreveu.

concordem ou não com suas opinões, o fato é que o brasil nunca mais teve alguém que pensasse o país com tanta coragem e isenção.
glauber mete o pau até nos próprios conterrâneos - comportamento praticamente tabu entre baianos famosos. alguns trechos são grandes, mas acho que valem a pena serem lidos:

Como diz Oswald de Andrade, no Brasil, o contrário de burguês não é o proletário, é o boêmio. Intelectual aqui é um palhaço da burguesia, são as mesmas figuras da revista Interview, das colunas sociais de O Globo, desses bares decadentes aí. É o grotesco, é o expressionismo caipira latino-americano, como em Cuba de Batista. Show da Gal Costa, espetáculo de Ney Matogrosso, teatro de Dias Gomes, é tudo uma porcaria só. São as filigranas, o texto da decadência da colônia do Rio de Janeiro, um porto prostituído.
(...)
O Brasil, aliás, é um país que precisa de uma guerra, porque aqui não há tragédia, é um país de pessoas cínicas, liberais, a burguesia é poder, depende dos Estados Unidos; é todo um processo inteiramente absurdo de irresponsabilidade.
(...)
(...) quem divulgou essa história de Patrulha Ideológica, baseado em declarações do Carlos Diegues, foi o Estado de São Paulo, que é um jornal tradicional da extrema direita paulista, o que foi até combatido pelo Cláudio Abramo na Folha, que lamentou que as declarações do Cacá se tivessem prestado a uma provocação anti-comunista no seio da intelectualidade. Provocação, aliás, na qual o Caetano Veloso entrou, na esteira, sem a menor compreensão do processo político. Caetano resolveu, oportunisticamente, repetir a dica do Cacá e passou a atacar os padrões ideológicos e a identificar jornalistas como comunistas, sem saber exatamente o que é um partido comunista e qual a situação disso dentro do Brasil, coisas que o Cacá entendeu melhor.
(...)
Os intelectuais são uns párias perseguidos em todos os lugares. Mesmo a arte revolucionária é propriedade da elite, porque quem ouve Villa-Lobos é a elite, a burguesia brasileira culta. Quem tem quadro do Portinari, quem lê João Cabral, Guimarães Rosa, não é o povo. Então, a própria cultura revolucionária aqui é seqüestrada pela classe dominante e censurada.
(...)
Os comunistas são sempre uma variante dos católicos, são dois fascismos, duas ortodoxias que não têm nada a ver com o marxismo.
(...)
Eu também estou metido, desde as minhas origens, numa batalha que é a dessacralização do artista e do intelectual. Inclusive, eu não estou de acordo com a representação que se fazem os intelectuais, os artistas no centro da sociedade. Não estou de acordo com nada disso. Acho que o artista tende a se prostituir rapidamente no Brasil e os outros intelectuais já se acomodaram. E isso não é por dificuldade econômica, mas pelo pensamento católico que rege tudo e impede as rupturas. Não adianta psicanálise, não adianta nada. O que é preciso é se liberar da Missa, da adoração às imagens. Esse é que é o problema.