02 agosto 2004

pimenta no orkut dos outros

estou no orkut. mantenho-o razoavelmente atualizado, pertenço a comunidades interessantes e engraçadas, e até coloquei algumas fotos nesse último finde.

mas admito que tem que ter um saco de jó para freqüentá-lo. e descobri que, quanto maior a comunidade, menos saco eu tenho para ler as mensagens. às vezes são mais de 100 respostas muito parecidas, sobre um assunto completamente bobo. é uma perda de tempo enorme.

cheguei à conclusão de que só vale a pena participar dos grupos sobre assuntos que me interessam muito, e sobre os quais há a possibilidade de conseguir informações novas. de resto, vou reduzir o número de comunidades drasticamente.

já tenho amigos suficientes. os antigos, com exceção de um ou outro, provavelmente causarão mais constrangimentos do que alegria. além do mais, estou um pouco preocupado com o excesso de exposição. acho que já a tenho em demasia aqui com o borduna!...imagina no outro, em que botei uma descrição detalhada, ainda por cima com fotos!

por isso que não deixo de me solidariezar com o arnaldo bloch, em sua coluna deste sábado passado. fiquem aí com o texto:

Orkut na reta

O Orkut, "site de relacionamentos" do Google, ainda não era a coqueluche que é hoje (com um milhão de usuários, metade deles no Brasil) quando Lia, amiga minha, contou a novidade, numa noitada no Baixo Gávea.

- Gente, é um clube na internet onde várias coisas legais acontecem.

Fiquei curiosíssimo.

- E como faz para entrar no Orkut, Lia?

- Ah, você tem que ser convidado por um amigo. Ou uma amiga.

O jornalista galês (personagem que ora e vez dá as caras nos botecos) interveio.

- Esto é uma fôrma de ecsclusáo !

- Exclusão nada. Tá todo mundo entrando. Todo mundo convidando ? reagiu Lia.

E virou-se para mim, provocante:

- Quer ser meu amigo no Orkut?

- Que isso, Lia. Estou comprometido. Fechei meu botequim.

- Que isso digo eu, Arnaldo. O Orkut é um mundo eletrônico.

- Ah, se é eletrônico tudo bem.

No dia seguinte, recebi um e-mail de Lia me convidando para entrar. Fui conferir e entrei. O Orkut começou a me fazer um montão de perguntas. Tipo: você é mais de sol ou de lua? Gosta de cinema ou teatro? Considera-se um sujeito engraçado, burro, tímido, idiota ou alternativo? É pan, metro, hetero, bi, retro?

Fui respondendo. Depois, descobri que havia um sistema classificatório, no qual você dá estrelinhas para as pessoas. E decide se vão ser suas amigas. E tem foto dos amigos tipo galeria de revista de celebridades.

Então a Lia veio ao meu terminal:

- Aí, Arnaldo, dá estrela pra mim!

Obedeci. Dei estrela para a Lia. Exausto, desliguei o computador.

Foi a última vez que entrei no Orkut.

Mas, a partir daquele dia, os convites começaram a se multiplicar. Quase todo mundo que eu conhecia me convidava para ser seu amigo no Orkut. Inclusive gente legal, inteligente, cheia de conteúdo.

E comecei a ouvir umas conversas estranhas, o pessoal contando vantagem.

- Entupiram meu Orkut de estrelas!

- Ah, mas eu já tenho 60 amigos.

Rapaziada, aquilo começou a me irritar, me irritar... e descambei a falar mal do Orkut pra todo mundo, a encarnar na Lia e nos que me convidavam, inventar gracinhas do gênero ?o que o Orkut tem a ver com as calças??

Aí as pessoas me atacaram: ih, Arnaldo, que mau-humor. Cara chato. Ficando velho.

Lia ainda tentou me convencer a voltar, dizendo que o Orkut é ótimo pra você encontrar pessoas que não vê há décadas, amigos de infância, gente do maternal.

- Mas Lia, quem disse que eu quero rever meus amiguinhos de um ano de idade?

- Qual o problema?

- Coisa chata. Daqui a pouco vou estar formando grupos de ex-amiguinhos de um ano de idade. Prefiro encontrar as pessoas que tiver que encontrar por acaso, na rua. Isso já dá bastante trabalho, entre boas surpresas e grandes decepções e aluguéis.

- Velho - disparou Lia.

- Chata - reagi.

Como vingança, postei um comentário no meu blog. Um curto manifesto anti-Orkut.

Nele eu dizia (e redigo e amplio), que o Orkut é um micromundinho frívolo e vazio que repete o universo da rede num sistema de pirâmide que multiplica seus membros à medida que todos querem ter amigos, ganhar estrelas, fazer parte de grupinhos de interesse e reencontrar coleguinhas de infância.

Uma leitora disse que Orkut é meio bobo mesmo, mas é uma forma de fugir da solidão nesse mundo desumanizado.

Eu respondi que ela corria o risco de ficar presa do outro lado do espelho (ver o "Buraco do espelho", de Arnaldo Antunes.)

Numa apresentação aqui no jornal para colegas que fazem parte do Calandra 2004, um programa de aperfeiçoamento profissional, repeti minhas críticas. E, mudando de assunto, contei um episódio sobre a implicância de uns amigos por eu ter confessado, numa crônica, que fiz pilates (temporariamene).

- Pra vocês verem... tem gente que tem o maior preconceito contra pilates.

A Glauce, colega minha aqui do Caderno Boa Viagem, pediu a palavra.

- Pois é, e tem gente que tem preconceito contra o Orkut.

Silêncio no auditório. Precisei de uns segundos para me reestruturar.

- É verdade, há um certo preconceito. Desconfio dessas manias animadinhas que pegam todo mundo num roldão.

Glauce replicou.

- Você leva muito a sério. O Orkut não é tão sério assim.

- Talvez não seja para você, mas há uma horda de aficionados. Orkut é sintoma de uma época estranha, em que pessoas falam como robôs em telefones e dizem que "vão estar enviando", em que amigos se reúnem para caminhar sobre tabuleiros vivos testando conhecimentos gerais, em que tudo é meio game , em que a galera alternativa vibra atropelando criancinhas na pele de bandido eletrônico, em que os amiguinhos se reencontram em praças imaginárias em shoppings virtuais.

O pessoal do Calandra deve ter achado que estava diante de um maníaco da teoria da conspiração. É o preço de zoar do Orkut...