crônica do ximenes, retirada do blog dele. não poderia estar mais de acordo...
como já dizia o comediante bebum w.c. fields, "alguém que odeia crianças e cachorros não pode ser de todo mau".
Enviado por João Ximenes Braga - 18/9/2004 - 13:12
A crônica do jornal
Dia desses, na coluna “Gente boa”, do Joaquim, havia um pai indignado por sua filha não poder jogar bola no Parque Lage. “Uma menina correndo atrás da bola não incomoda ninguém”, dizia. Comando para Terra com uma notícia incrível: incomoda, sim. E muito. Uma menina correndo atrás da bola, em geral, grita. Voz de criança, em geral, é estridente.
E ainda que seja uma bola de plástico leve, pode danificar as plantas.
Seria precipitado concluir que este é mais um caso de pais que não sabem impor limites aos filhos. Provavelmente é apenas outra evidência da guerra travada no cotidiano da classe média: de um lado, os com-filhos (chamemo-los de CF), de outro, os sem-filhos (SF).
Não são necessariamente antagonistas, mas duas espécies de animais de comportamento díspar obrigadas a partilhar o mesmo território. A questão anda na minha cabeça desde que presenciei um raro momento de sinceridade e respeito. Estava num almoço de domingo regado a chope e picanha. Ao lado da minha mesa boêmia, havia uma familiar, cheia de crianças. Elas incomodavam, sim, mas estávamos resignados. Até que, na mesa de cá, uma jornalista, casada, revelou sua intenção de procriar a médio prazo. Outra jornalista, também casada, disse:
— Você sabe que quando isso acontecer a gente vai parar de falar com você, né?
Ainda não acredita que CF e SF vivem em dimensões paralelas? Vejam a história de outra amiga que foi dormir pela primeira vez com um pai divorciado. Ela acorda na cama dele, ele não está mais lá. Chama pelo nome. Ouve a voz saindo do banheiro, cuja porta está aberta:
— Estou fazendo cocô!
A moça ficou indignada. Não bastava ele estar de porta aberta? Não bastava dar informação desnecessária sobre o que estava fazendo lá? Ele tinha que usar aquela palavra infantil?!
— Ele não era um imbecil — vaticinava essa amiga à frente de um chope, dias depois. — Já tinha reparado o mesmo com amigas que tiveram filhos. Chafurdam em fraldas e acham que merda é a coisa mais natural do mundo. Vivem no limiar da coprofagia.
Talvez este seja um caso extremo. O problema mais comum entre os CF e os SF é outro: um estranho mecanismo que é acionado logo após o parto e faz com que todo CF perca um neurônio específico da região do desconfiômetro. Justo aquele que informa ao cérebro que, sim, sua criança é a coisa mais fofa de toda a galáxia, mas isso não significa que o resto do mundo partilhe do seu entusiasmo. Não faria mal distribuir um folheto nas maternidades ensinando os CF a se comportar junto aos SF:
Registros fotográficos de batizado, aniversários e, sobretudo, do parto, devem circular apenas entre pais e avós.
Para um SF, leite é apenas algo que se pinga no café. Qualquer referência a leite produzido por animais outros que não vacas e cabras é terminantemente proibida. Sobretudo durante as refeições.
Ninguém está realmente interessado se você anda dormindo pouco. Sabe aquele sorriso de solidariedade dos amigos SF ao ouvir suas queixas? É falso. Até porque eles também andam dormindo pouco, mas suas razões não são levadas em conta.
E por que não um manual ensinando os SF a se portarem frente aos CF? Bem, porque os SF já são o lado mais fraco da corda. Quem admite não ter particular interesse por crianças é logo tachado de desalmado. Nem mesmo a mãe de uma delegada conseguiria reunir três equipes da Polícia se fosse incomodada por uma menina correndo atrás da bola. Pior, os SF são discriminados no trabalho. Outra amiga, que até pensa em ter filhos, mas ainda não tem, queixa-se que o lobby das mamães é mais poderoso que o dos ruralistas em Brasília. Uma festa na escola do filho é suficiente para que todas as mães se mobilizem para rearranjar a escala de plantão da coleguinha. Já as SF são vistas como gente que nunca têm nada de importante para fazer.
— Só por que não tenho filho não posso tirar licença-maternidade? Isso é discriminação — reivindica ela.