28 junho 2006

a gente vai levando, a gente vai levando...

às vezes me acho um ingênuo por acreditar que, no fim, a vontade do povo prevalecerá. não vai. pelo menos não se as coisas continuarem do jeito que estão. não se não tomarmos o destino em nossas mãos. cada vez mais acho que certo estava o diderot (pelos motivos errados): " o mundo só estará a salvo no dia em que morrer o ultimo rei enforcado nas tripas do ultimo padre". falou e disse.
porém, antes de considerarem-me um derrotista neurótico, recomendo a leitura do texto a seguir, retirado do comunique-se:

Triste fim na novela da TV digital brasileira

Antonio Brasil

Como toda novela, a implantação da TV digital brasileira teve um final previsível. Mas não foi um final feliz. Muito pelo contrário. O governo resolveu aproveitar o clima de euforia e o entorpecimento geral dos brasileiros na Copa para anunciar o capítulo final. Destaco algumas manchetes sobre essa polêmica decisão:


"Ministro Hélio Costa confirma acordo com Japão para a TV digital"
"Redes saem vitoriosas com padrão japonês de TV digital"
"TV Digital: Radiodifusores já debatem implantação do padrão japonês"


E como toda novela, os últimos capítulos também já indicavam que certos personagens estariam dispostos a tudo para garantir o final "feliz":

"Globo oferece Copa em TV digital para Ministério das Comunicações, Câmara e Senado"
"Lula elogia 'padrão nipo-brasileiro' de TV digital"


Nenhuma surpresa.

Há muito tempo o noticiário já sinalizava a pressão dos personagens radiodifusores para que o governo não atrapalhasse o enredo e escolhesse logo o padrão japonês. Por que esticar a novela? Principalmente em meio a tantas ameaças.

Ou seja, apesar das recomendações e protestos de diversos setores da sociedade brasileira que insistiam na necessidade de estendermos a trama, Lula preferiu ouvir somente os personagens poderosos da novela: as velhas famílias que há anos controlam a radiodifusão brasileira.

Mas, como em todo folhetim, já surgem críticas e reações contra a qualidade do enredo e a previsibilidade do final.


"Decreto da TV digital mantém monopólio"
"Entidades defendem mais debate sobre escolha do padrão de TV digital"
"Europeus lançam plano para AL e defendem adiamento de TV digital"
"Gil defende decisão sobre a TV digital só após as eleições"


A novela da TV digital brasileira, no entanto, ainda pode nos reservar algumas surpresas.

Segundo o mesmo noticiário, Lula já teria orientado seus ministros a negociar com o Japão as contrapartidas para que o anúncio produza ganho político no ano eleitoral.

Mas o governo japonês já deixou bem claro que não pode garantir a implantação de uma fábrica de componentes no Brasil. Há somente um compromisso de formação de mão-de-obra especializada e ajuda para a criação de condições no país que viabilizem a implantação dessa indústria. Podemos ter caído em um conto do vigário. E o pior. Um conto do vigário japonês.

Em sua decisão, o presidente teria levado em conta o lobby das grandes emissoras de TV do Brasil a favor do padrão japonês. Não seria inteligente contrariar essas empresas no ano em que disputa a reeleição.

Ou seja, sob pressão dos radiodifusores e sem os recursos financeiros do Valerioduto, Lula preferiu garantir pelo menos uma certa neutralidade durante a campanha eleitoral. Ele conhece muito bem o poder do jornalismo investigativo das TVs brasileiras e suas câmeras ocultas para revelar falcatruas e maracutaias. No momento, as câmeras ocultas estão "sob controle".

Neste triste final de novela barata, Lula decidiu por um sistema de TV digital experimental, ainda em construção. Um sistema que não foi adotado por nenhum país da América Latina, do Mercosul e do mundo. Um sistema que não está totalmente implantado sequer no Japão. Seremos cobaias dos cientistas japoneses e estamos isolados nessa decisão.

Essa escolha do governo do Lula põe fim a uma longa guerra de bastidores que envolveu ministros de Estado de países estrangeiros, multinacionais fabricantes de equipamentos, operadoras de telecomunicações e redes de TV.

Mas, pelo jeito, a guerra, ou novela, continua. O governo ainda terá que regulamentar o "modelo de negócios": nessa fase, poderá ser definido quem poderá participar da nova televisão e se haverá ou não mais competição no setor. O Congresso Nacional, que tentou participar da escolha do padrão, agora deve voltar suas atenções para esse "modelo de negócios".

Mas como essa decisão afeta o futuro da televisão brasileira?

Ao privilegiar o padrão japonês, essa decisão deve dificultar a entrada de novos concorrentes, novos canais de TV.

Qualquer que seja o resultado da Copa na Alemanha, por aqui, mais uma vez, perdemos a Copa do nosso futuro. As forças do atraso venceram. O Japão e seus aliados brasileiros, os radiodifusores com capitanias hereditárias, comemoram. Ou seja, nada vai mudar. Tudo vai continuar da mesmíssima forma.

O padrão japonês é melhor para as TVs brasileiras porque é o que trará menos impacto ao seu modelo de negócios. Não haverá a entrada de novos concorrentes, principalmente as temidas telefônicas.

Ainda no noticiário...


"Presidente da Comissão Européia critica populismo na América Latina"
BBC Brasil


O presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Durão Barroso, criticou o avanço do que ele considera "populismo" na América Latina. "É um sinal negativo para o continente. Parece um filme que está voltando para trás", afirmou Barroso em uma entrevista coletiva, sem citar nomes de líderes da região.

E tem mais...

Apesar da decisão do governo pelo polêmico padrão experimental japonês, a campanha de Lula enfrenta problemas televisivos...


Marqueteiro de Lula mostra insatisfação com o tempo na TV

Talvez isso explique...


A festa das concessões
"É impressionante como as coisas funcionam neste nosso País. Entra governo, sai governo e continua a mesma coisa. Vi a listinha dos felizes contemplados com canais de rádio e televisão. Em sua maioria, políticos e igrejas. No Brasil, a radiodifusão "ou é altar ou é palanque'."

Governo Lula distribui TVs e rádios educativas a políticos
"O governo Lula reproduziu uma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos."

Ministros negam motivação política para concessões
"O ministro das Comunicações, Hélio Costa, e seus antecessores no governo Lula, os deputados federais Miro Teixeira (PDT-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), dizem que não usaram critério político para aprovar as outorgas de rádio e televisão educativas."

Minas Gerais recebe oito emissoras de TV na gestão do mineiro Hélio Costa

"Político mineiro, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, autorizou oito concessões de TVs educativas em seu Estado desde que assumiu o cargo, em 8 de julho de 2005."

E nessa "Copa do Mundo" da TV digital podemos perder a liderança continental para a nossa principal rival. Em artigo recente da Tele Síntese:

TV digital: Argentina pode assumir papel de liderança na América do Sul

"Como, no Brasil, a decisão pelo padrão ISDB japonês é dada como certa, ficou para a Argentina o papel de liderança neste processo continental".

"'Nenhum outro país da América do Sul vai adotar o padrão japonês. Será DVD (europeu) ou ATSC (americano)', afirma Mário Baumgarten, CTO da Siemens, empresa integrante da coalização DVB no Brasil. Segundo analistas de mercado, a escolha de um padrão único seria um grande benefício para a região, que contaria com as vantagens de uma economia de escala."

É, pode ser.

A escolha do padrão japonês significa que o governo quer, antes de tudo, agradar às grandes emissoras de televisão do país em ano eleitoral. E vocês ainda têm dúvida de que o Brasil é "excrusividade" da Globo?

Mas como diz o presidente Lula, "em time que está ganhando não se mexe". Agora só nos resta descobrir "quem" estaria ganhando com essa decisão.

No momento, certamente perdem os defensores da democratização dos meios de comunicação e os produtores independentes, alternativos e comunitários. Desperdiçamos a chance de aumentar a diversidade e a pluralidade de conteúdos televisivos.

Ainda podemos ganhar a Copa do Mundo de futebol. Mas certamente estamos sendo derrotados na Copa por uma televisão brasileira melhor e mais democrática.