podem me chamar de baba-ovo, mas não me canso de tecer loas ao fausto wolff, talvez o único (será o último?) cérebro pensante em atividade na grande imprensa brasileira. ouvi falar sobre o artigo a seguir numa aula dessa semana, aparentemente tendo sido publicado nojb. não sei. achei-o no saite do lobo.
Fidel já morreu?
Se morreu, foi-se, na minha opinião, o maior herói do século 20. Com ele morrem muitos personagens: o jovem advogado, filho de rico fazendeiro envergonhado de viver numa pátria em que um patife vagabundo como Batista havia transformado num bordel de luxo para a máfia e políticos norte-americanos corruptos. Morreu o rapaz que passou dos 27 aos 29 anos na cadeia por não aceitar a democracia imposta pelos americanos com votos comprados ou obtidos à força.
Morreu o leitor de Martí, de frei Bartolomeo de las Casas, de Marx e, certamente, de Cervantes. Morreu o homem mais amado de Cuba e o mais odiado pelos cubanos que preferiram Miami e Disney. Morreu também o homem que condenou muita gente à morte, entre elas, o número 2 das Forças Armadas Cubanas, envolvido com o tráfico de drogas. Morreu o homem que a CIA tentou matar mais de dez vezes e que suportou o maior embargo econômico da história moderna.
Morreu o homem que fez a reforma agrária como já poderíamos ter feito há muito tempo: pagando aos latifundiários o que declararam que valiam as terras na hora de pagar seus impostos. Morreu o homem que devolveu a auto-estima aos cubanos. Morreu o homem que diziam possuir a quinta fortuna no mundo. Fidel respondeu que, se encontrassem um dólar numa conta em seu nome no exterior, ele resignaria ao cargo. Morreu o homem que acabou com o analfabetismo, tornou obrigatório o ensino médio e financiou universitários. Morreu o homem que fez de Cuba um exemplo para a medicina da América Latina. Morreu o homem que fez de Cuba a maior potência atlética da América Latina. Morreu o comunista que o papa abençoou.
Certa vez, em Cuba, comecei a entrevistar passantes nas ruas. Todos estavam empregados, ninguém morava em casa alugada e todos, de certa forma, eram funcionários do Estado. Menos um. Perguntei ao senhor carequinha se era funcionário e ele, sorrindo, disse-me que não. "Profissional liberal. Soy limpiabotas."
Na verdade, foram os americanos que jogaram Fidel nos braços da União Soviética. Queriam eleições em Cuba e tinham um candidato que - como já haviam feito com Batista - seria apenas um homem de palha. Foi muito ingênuo achar que, depois de limpar e dedetizar a casa, Fidel deixaria que os americanos colocassem alguém como Collor, por exemplo, lembram-se? Ou como Sarney e FHC, que deixaram o poder riquíssimos e o povo cada vez mais pobre e ignorante.
Arthur Miller, Robert Frost, Edmond Wilson, Sartre, Russell, Clifford Odets, Adlai Stevenson, John Steinbeck, entre outros grandes intelectuais da época, escreveram artigos pedindo a Kennedy que deixasse Cuba em paz. Mas ele preferiu promover o fiasco da Baía dos Porcos e receber, como hóspedes, cubanos leais que em Cuba ninguém queria.
Estive duas vezes com Fidel. Da primeira, perguntei-lhe (ordem da direção da TV) por que não instituía eleições livres. Ele me declarou que sairia muito caro para eles e mais caro ainda para os americanos que mandariam dinheiro para corromper os poucos indecisos. Da segunda vez, eu e outros jornalistas o acompanhamos num passeio pelas ruas - e não vi um guarda-costas.
Formou-se uma multidão gritando "Viva Fidel!" e uma mulher grávida o abraçou. Perguntou-lhe quantos filhos já tinha. Ela disse que este seria o terceiro, e ele: "Por que não está tomando pílula? Que seja o último. Nossa ilha não pode alimentar mais do que o seu espaço permite". Hoje em dia falam muito das prostitutas de Cuba, mas esquecem-se de falar dos milhões de mulheres que, graças a Fidel, salvaram-se da miséria, da fome e da prostituição. Podemos dizer a mesma coisa?
Mas Cuba é uma ditadura e Fidel um ditador. Pois eu lhes digo que 80% do povo brasileiro jamais viu tal democracia. Da última vez que estive em Cuba, entrevistei Teófilo Stevenson, cinco vezes campeão mundial olímpico dos pesos pesados. Ele me apresentou a mulher e filhos, bem como os alunos de educação física. Perguntei-lhe por que não aceitara o contrato de US$ 5 milhões que os americanos haviam lhe oferecido. Respondeu: "Havia muito a fazer em Cuba e, além disso, há coisas mais importantes que o dinheiro".
Fidel já morreu? Não? Então, viva Fidel.