não gosto de trabalhar. ponto.
gosto, sim, de viver. ler, ir ao cinema, passear, desenhar, beber, bater papo com os amigos, me vestir confortavelmente, comer bem e ter mobilidade - seja viajar ou ter livre acesso para freqüentar os lugares que me apeteçam. e se a regra do jogo estipula que para eu realizar minhas vontades, eu precise de dinheiro, e principalmente, que para ganhá-lo eu precise trabalhar, assim o farei.
posso então afirmar que o único motivo que me faz acordar de manhã, me arrumar, tomar um ônibus e perder oito horas do meu dia esquentando uma cadeira em frente ao computador, engordando e cultivando uma tendinite no braço direito, é grana.
alguns me perguntam, de olhos rútilos (obrigado, nelson rodrigues), se não busco satisfação ou realização no trabalho. a esses respondo, fatal como um tiro de fuzil: não. realização eu vou ter nas atividades que enumerei no primeiro parágrafo. no trabalho, não.
não alimento a menor ilusão de alcançar qualquer forma de prazer com o trabalho. trabalho é trabalho, prazer é outra coisa. está na bíblia. o oposto do paraíso é o trabalho. o máximo de pretensão profissional que almejo é ter o mínimo de aporrinhações.
agora, não gostar de trabalhar não significa que enquanto estiver gastando minha vida dentro de um escritório, não farei tudo que seu mestre mandar da melhor maneira possível. e isso é o ápice da coerência, pois mais do que ao trabalho, tenho ojeriza a aborrecimentos. se me exigirem iniciativa, terei iniciativa. se me cobrarem criatividade, assim o serei. se nada pedirem, mas sempre pedem algo. e eu dou.
se não gosto de trabalho, abomino igualmente tudo o que faça parte de seu ambiente ou se relacione a ele. por isso não gosto de fofocas de corredor, boatos e antecipações. tento não sofrer angústias. e como estou longe de ser um camarada depressivo, é bem verdade que no meio dessa sarabanda, tento me divertir, para não transformar tudo em calvário.
sou fascinado por gente, sua beleza e sua miséria. portanto, trato a todos com educação e equanimidade. eventualmente faço alguns amigos. como todos os outros que já passaram por mim, alguns ficam. mas nem quanto a isso tenho pretensão.
e para terminar esse texto, que já nem eu agüento mais, deixo um trecho do antigo testamento que aprendi hoje. não sei se o que reproduzo condiz com a mensagem bíblica, mas me vale agora. livro de eclesiastes, capítulo 2, versículos 22 a 26.
22 Pois, que alcança o homem com todo o seu trabalho e com a fadiga em que ele anda trabalhando debaixo do sol?
23 Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho é vexação; nem de noite o seu coração descansa. Também isso é vaidade.
24 Não há nada melhor para o homem do que comer e beber, e fazer que a sua alma goze do bem do seu trabalho. Vi que também isso vem da mão de Deus.
25 Pois quem pode comer, ou quem pode gozar, melhor do que eu?
26 Porque ao homem que lhe agrada, Deus dá sabedoria, e conhecimento, e alegria; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dá-lo àquele que agrada a Deus. Também isso é vaidade e desejo vão.