há um mês e pouco tatuei meu braço direito.
lá em casa sempre se considerou tatuagem coisa de marginal. o assunto era tão distante de nossa realidade, que discuti-lo seriamente pareceria um absurdo risível.
até a adolescência, jamais havia pensado na possibilidade de me tatuar. a exceção foi quando os hormônios resolveram jogar pingue-pongue com meu raciocínio, e, influenciado por uma matéria na falecida revista "animal", pensei em tatuar meu rosto todo, a exemplo de horace ridler, vulgo "o grande omi" (sem trocadilho).
nessa mesma época, cultivei o desejo de pular de um avião sem pára-quedas, de modo que o que eu digo não se escreve.
lembro do meu pai dizendo, quando as meninas começaram a prestar atenção em mim (porque até então só eu as via), que "mulher tatuada, ou é perdida ou já se perdeu na vida". essa opinião acabou sendo revista anos depois, quando tanto minha mãe (já separada) quanto minha irmã pintaram os corpos, por motivos diferentes.
minha irmã, para completar, meteu até uns piercings no "embigo", nariz e orelha, para seu desespero. ao vê-la "furada como um índio", perguntou, desconsolado: "você está com algum problema, minha filha?" juro que fiquei emocionado.
a idéia de me tatuar voltou na época do mestrado, quando assolado pelo desespero de escrever minha dissertação, resolvi que se saísse de tal enrascada com a sanidade apenas um pouco (mais) avariada, marcaria o período na pele.
no começo de 2004 tive minhas primeiras idéias. mas no fim, achei o urobouros meio pretensioso, uma amiga comparou o "allah" ao desenho de um ralo, e o salsão, meu consultor para assuntos macumbísticos, com quem eu morava na época, disse que caveira é uma imagem carregada.
três anos depois, equivocadamente me sentindo dono do meu nariz, mas já capaz de pagar minha contas sozinho, resolvi concretizar o plano, e quando esbarrei com umas "calaveras" do dia dos mortos mexicano, tive a certeza do que buscava.
sempre me atraiu a idéia da morte como celebração, como acreditam os mexicanos. acho que há algo de anárquico em subverter a tristeza da perda, talvez porque ela traga implícita o fim da ilusão de posse. afinal, ninguém é de ninguém, nem é dono de nada. portanto, encontrar a morte seria libertar-se de todas as coisas terrenas, de todas as agruras da vida.
voltando ao assunto, perdi o medo e fui ao king seven tatoo, estúdio recomendado por nove entre dez tatuados responsas que conheço. além de gente finíssima, o pessoal de lá contou umas histórias engraçadíssimas (depois eu conto). mostrei umas referências pro nino, que sacou o espírito, acrescentou uns rococós em volta e ainda meteu um dentão de ouro. classe!
quem disse que tatuagem vicia, tava certo. se achar um desenho bacana, também rabisco o outro braço.