29 março 2008

"eu penei, mas aqui cheguei"

essa semana, pela primeira vez na vida, paguei imposto de renda. não disse declarar, e sim, pagar. assim que enviei o formulário preenchido pela internet, liguei para a minha mãe. como supunha, ela ficou satisfeitíssima. para ela, pagar imposto era um dos sinais superficiais, mas nítidos, de que eu havia ascendido à condição de "ser alguém".

não sei ao certo que alguém me tornei, mas não a culpo. chegar até aqui foi tão difícil para ela quanto para mim. talvez até mais. embora eu é que tenha ouvido esse tempo todo, olhando para trás, até que foi pouco.

na infância, lembro de ouvir o cid moreira noticiar algo sobre a cobrança do imposto de renda no telejornal da noite. não sei se foi a imagem mental do leão ou a descoberta de que, quando crescesse, teria que dar parte do meu dinheiro para uma entidade abstrata e obscura como "o governo" (ainda estávamos na ditadura), mas o fato é que a partir de então perdi o interesse em crescer, para fugir das garras da responsabilidade. meu analista salivaria ao ler isso.

acho até que me saí muito bem na tarefa de desviar das obrigações. até que a pressão se tornou insuportável, e a necessidade de atender aos meus prazeres (independência de casa, mobilidade e horários, grana para discos, livros, álcool, eventuais cigarros e charutos, um agradinho às moças etc.) me empurraram para o mundo adulto.

para recapitular, comecei a escrever a minha trajetória, mas apaguei tudo. não vou encher o saco de ninguém com isso. o fato é que minha mãe e meu pai não ganham mais cabelos brancos por minha causa. quem tem a cabeça adornada por fios de prata agora sou eu. assim caminha a humanidade.