28 maio 2008

divagações coletivas

eu me encontrava dividido entre a leitura do leminski - leitura que na verdade eu adiava, pois se terminasse o livro, não teria nada para me distrair no trajeto de volta -, o caminhar dos ponteiros e o lento escorrer do trânsito. o segundo engarrafamento do dia, no mesmo aterro do flamengo. se me acostumar com isso, posso me mudar para são paulo.

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foi numa excursão do colégio ao aterro (que diabos fomos fazer lá, afinal? respostas apagadas pelo tempo) que aprendi que carioca significa "casa de branco", e que a abundância de flamingos seviu de inspiração para o batizar o bairro.

os pernaltas que habitavam estas plagas devem freqüentar hoje o mesmo céu dos bisões americanos e dos dodôs das ilhas maurício. se bem que os flamingos ainda não foram extintos. parece que há muitos deles na flórida. será que eles emigraram para lá quando a coisa ficou preta por aqui? também há jacarés na flórida, bem como em jacarepaguá. esses bichos são casca-grossa, mais difíceis de serem extintos.

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chegamos à praia de botafogo, e pela primeira vez percebo que o mar aqui, iluminado pelos postes elétricos, também faz marolas pertinho da areia. parece óbvio que assim seja, mas há um ano e meio faço esse caminho pelo menos dez vezes por semana e acho que nunca havia reparado nisso.

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a expressão "nunca havia reparado nisso" me lembra a vez em que tomei chá de trombeta. mais ou menos dos 15 aos 22, talvez com saudades do meu jogo de "pequeno químico", tentei fazer do meu corpo um laboratório de testes, a título de expansão da consciência. a maior besteira que cometi nesse sentido foi, num belo dia, catar com uns amigos dez flores de Brugmansia aurea num jardim da rua j. carlos, no jardim botânico. fomos para casa de um deles e bebemos a infusão.

a história é longa, então resumo: tentei plantar no chão do apartamento as florezinhas estampadas no tecido do sofá , li livros que não existiam, bebi chás imaginários, e liguei televisões-fantasmas para torcer para jogos de futebol da minha imaginação. isso é o que me contam, porque minhas memórias desse dia são quase todas inexistentes. também dizem que não conseguia articular uma frase inteligível.

há coisas, entretanto, que lembro bem. conversei com gente que não estava lá, e por volta das tês da manhã, largado à minha própria sorte no playground do edifício, caio no chão de joelhos, e as pedras portuguesas pretas me parecem muito macias.

- o chão é feito de espuma de ar-condicionado! faz mais de dez anos que moro aqui e nunca havia reparado nisso!

saí tateando o chão, para medir a extensão da minha descoberta. dias depois algumas pessoas disseram ter me visto de suas janelas engatinhando no play de madrugada. depois da experiência, fiquei com as pupilas dilatdas por dois dias.

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o trânsito finalmente começa a fluir, mas na barata ribeiro o ônibus fica num movimento constante de pára-anda, como se engasgasse. muito chato isso para quem quer ler e escrever. faltam 15 minutos para começar minha sessão e ainda estamos na santa clara.

opa! o motorista aproveitou uma conjugação de sinais verdes a seu favor e deu uma avançada bem rápida até a miguel lemos. talvez dê até tempode comer umas empadas e tomar um mate antes da análise. só que meu relógio não está lá muito confiável. prometeu-me cinco minutos que não poderia me dar. foi o relógio de rua que o desmentiu.

eu já o vinha achando meio distraído, às vezes perdendo a hora, principalmente depois que a minha pulseira do senhor do bonfim arrebentou. será que ele está sentindo falta dela? é bem verdade que ela estava suja e puída, mas era sua única companheira em todo o braço esquerdo. não posso me atrasar.

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minha amiga tereza resolveu fazer análise aos 50, e conseguiu horário um terapeuta muito bom e muito conceituado. no dia de sua primeira sessão, enquanto acabava de se arrumar para sair, sua mãe, que havia acabado de voltar a morar com ela depois de algumas décadas, pergunta se ela "já passou um perfuminho".

- mamãe, eu não estou indo namorar. estou indo falar mal de você!

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hoje não estou indo falar mal de ninguém. vou contar a história do renque de amores perdidos e desperdiçados, e de como os padrões se repetem, e perguntar o nome dessa fera que vive às sombras e que me faz errar como um cão sem dono. un perro callejero, diriam os espanhóis. o que não seria uma rima e tampouco uma solução.