15 agosto 2003

Grandes micos do passado

Uma vez eu quase levei uma porrada de um galã em ascensão da Globo. Foi em 1993. Ou 94.

Eu e um grande amigo de infância estávamos na época namorando duas amigas. Numa sexta à noite, tínhamos marcado os quatro um encontro no saudoso Caneco 70.

Aproveitando o friozinho e onda de transgressão que atravessávamos, enchi uma garrafa de gueitoreide com uma vodca, tarrada lá de casa. E seguimos, os dois patetas, meu chapa e eu, às talagadas. Chegando lá, oi, e aí, tudo bem, dois beijinhos etc., e o chope começou a descer. E descia como água. De lá a uma meia hora, já estávamos a alguns graus de felicidade acima da humanidade.

Paga a conta, as meninas, claro, resolveram comer um docinho, e fomos para uma confeitaria que fica na rua entre a Pizzaria Guanabara e o Diagonal. Ela tenta passar um clima entre casa de vó de comercial de TV e café colonial, e tem uma varandinha com um banco de cada lado, marcando os limites da entrada. Enquanto meu amigo sentava-se com a namorada dele, eu ainda estava de pé, com a minha.

Aí aconteceu. Passou pela frente da loja o tal galãzete, acompanhado de um outro ator, cujo papel mais relevante foi ser filho da Betty Faria numa novela. Eu, no auge da virulência e falta de noção etílica, comento com a menina:

- Esse cara é o maior boiola da paróquia.

Ela, que também já não devia andar bem das pernas, foi até a calçada procurar o cara perguntando "ué, cadê o Fulano boiola?"

Quando ela voltou, não é que os dois vieram também? O tal boiola, que fez a versão jovem de um outro galã numa novela, partiu pra cima de mim e espetou o dedo na minha cara, gritando:

- Qual é, mermão?! Tá me chamando de boiola por quê? Tá afim de chupar o meu pau?

Bom, nessa hora o meu sangue parou de circular e a pressão foi parar lá no dedão do pé. Eu tirava um cigarro do bolso na hora, e enquanto o amigo dele tentava ser conciliador, falando "qualé, cara, admite que 'cê foi babaca!", só consegui babulciar:

- Tem fogo?

Aí o galã ofendido deu um tapa nos meus óculos, que voaram longe. Nesse momento, saí do meu torpor, mas micronésimos de segundos antes de reagir, dois pensamentos espoucaram na cabeça:

1- se esse cara pisar nos meus óculos, eu dou uma porrada nele. (Tinha acabado de ver aquele filme do Woody Allen em que ele faz um ladrão que tenta fugir de um presídio, mas sempre é recapturado, e um guarda tira os óculos dele e pisa. O que para mim virou sinônimo máximo de humilhação.)

2- se eu der uma porrada nesse cara, vamos criar um tumulto dos diabos. Aquela patrulhinha na esquina vai nos levar pra DP e amanhã já posso ver as manchetes do Povo: "Galã de novelas se envolve em briga com namorado ciumento". Não, obrigado. Isso não era para mim.

Ah, também pensei que se desse uma porrada, tinha que acertar na cara, para ele gravar a novela de pancake, disfarçando o olho roxo.

Para sorte de todos, ele foi embora depois do esporro. Meu porre também. Fiquei caretinha, caretinha. Nos olhamos e rimos, de nervoso. Aí meu amigo me sai com uma pérola:

- Quando ele veio vindo eu disse, não tenho nada a ver com isso!
- Ah, filho da puta! quer dizer que tu ia me deixar cair no pau sozinho, seu viado?
- Eu ia. Foi você que falou, pô.
- Mas se fosse o contrário eu te ajudava!

Ele ficou quieto. E apesar disso, continuamos amigos até hoje.

O galã fez mais algumas novelas e depois sumiu. nunca mais se ouviu falar dele. Coitado, não deve ter dado para as pessoas certas lá na Globo.

Bem feito.