24 outubro 2003

acho que tenho dda

dda é a sigla de "distúrbio de déficit de atenção", mas também pode ser conhecida como tdah, vulgo "transtorno de déficit de atenção e hiperatividade".

pois bem, falando sério como poucas vezes posso ter falado na vida (pelo menos que eu lembre - outro sintoma de dda é o esquecimento), acho que tenho essa porra, cujo processo se traduz num rateamento dos lobos pré-frontais toda vez que eu preciso me concentrar em alguma coisa. ao invés de funcionar, o bicho desliga. ou então liga demais, criando estados de super-concentração.

o papo surgiu hoje na análise, quando eu me queixava do constante adiamento das tarefas mais banais a que era submetido, da dispersão absurda, do medo do enfrentamento, das mentiras constantes e da baixa capacidade da realização dos meus projetos. daí meu analista perguntou se eu havia lido um texto que ele me passara há mais de um mês e que eu obviamente perdera antes de poder lê-lo. era sobre dda, e a cada sintoma descrito na sessão de hoje, meu queixo caía um centrímetro a mais, tamanha a identicação.

cheguei em casa e vim procurar pelo assunto na rede. e cheguei a conclusão que deve ser isso mesmo. uma matéria da Istoé de 6/09/2003 transcrita no blog conviver com dda ou tdah, entre outras coisas diz o seguinte:

"Para saber se o adulto é hiperativo, é necessário que ele tenha sentido na infância pelo menos seis dos sintomas indicados abaixo. E que ainda hoje conviva com alguns destes sinais por no mínimo um semestre:

'Os pacientes distraem-se facilmente e têm dificuldades para se concentrar. Assim, cometem erros no trabalho,
'São desorganizados, esquecidos e impulsivos,
'Agitados e inquietos, não ficam parados por muito tempo,
'Têm mudanças bruscas de humor e entram facilmente em depressão,
'São volúveis nos relacionamentos afetivos,
'Falam excessivamente,
'Não completam as tarefas,
'Perdem com frequência os objetos."

sou eu mesmo. mifudi, né?
na matéria ainda tem um caso de um camarada que voltou a fazer faculdade depois de a ter largado porque "estava achando chato". porra, eu tentei três, e só terminei a última por intervenção direta de uma grande amiga, que literalmente me pegava em casa, do contrário eu não ia. passei três anos e tal admirado por todos os professores como um crânio, e nos dois últimos semestres, quase fui reprovado duas vezes por faltas. o mistério tinha sido desvelado, e lá nada mais me interessava.

e o que dizer da facilidade com que eu conquistei e desperdicei namoradas? no começo me apaixono, me envolvo etc., mas depois de conquistada a presa, entrando na rotina, me desinteresso absurdamente. sou capaz das maiores veleidades, sem querer. é raro - e falo aqui sem a menor dose de presunção - freqüentar festas de determinados grupos de amigos, sem que haja pelo menos uma ex presente. no entanto, meu recorde de permanência com elas é de um ano e meio, com muito custo.

acho que o fato de eu nunca ter passado mais de dois anos no mesmo colégio, devido as constantes mudanças a que meu pai era submetido como militar, pode ter mascarado o problema durante o período escolar - se é que eu o tenho. idependente disso, sempre tive dificuldades de cumprir prazos (um dia, depois de fevereiro, provavelmente, contarei a história do meu ingresso no mestrado). escrever o menor dos textos pode demorar horas, às vezes dias, tantas são as vezes em que interrompo a tarefa. (felizmente hoje devo estar no período de super-concentração)

uma qualidade de que sempre me orgulhei (e que sempre irritou todos ao meu redor) é a capacidade de conversar com uma pessoa e ao mesmo tempo olhar a menina passando na rua e escutar uma música que esteja tocando. pois descobri que isso é típico de ddas.

embora o texto esteja leve e eu esteja muito empolgado escrevendo-o, se for dda o que eu tenho, estarão explicadas muitas tardes de verão em que eu me trancava no quarto com as cortinas fechadas. assim como os constantes conflitos que fui protagonista e que tornaram boa parte da minha adolescência em casa uma chaga aberta. eu vivenciava uma insatisfação incompreensível para meus pais. tinha pavor (e raiva) de acabar como eles, de uma maneira que eu classificava de ignorante e medíocre. queria mais, queria uma plenitude intraduzível. algumas vezes eles até tentavam entender meus motivos, mas o turbilhão de sentimentos e a falta de termos adequados só me deixavam mais irado. e como eu chorava nessa época...

ao mesmo tempo, para consumo externo, eu era dos caras mais populares e um dos amigos mais leais que qualquer um pudesse ter... durante uns seis meses. quantas vezes eu não disse para os outros e para mim mesmo que as pessoas não passavam de sombras na minha vida; elas apareciam e desapareciam sem maiores dramas, normalmente. quantas vezes não fui chamado de egoísta por isso!...

também perdi a conta das vezes em que reencontrava amigos de longa data que me contavam coisas de arrepiar o cabelo que eu supostamente havia dito. e muitas delas eu só acreditava por reconhecer um certo padrão de raciocínio meu - mas lembrar, mesmo, qual o quê!... ultimamente achei até que os lapsos haviam sido superados, mas eis que há pouco tempo, fui protagonista de dois episódios: uma ex que encontrei me disse que, quando namorávamos, eu costumava usar uma frase extremamente desairosa como um comentário corriqueiro; e numa festa, uma amiga de uma amiga (por quem eu até alimento um certo quebranto secreto e inatingível) lembrou de um encontro que tivemos num antigo emprego meu. depois de tanta insistência dela, tive que fingir que lembrava do episódio, que só pode ter sido verdade, tamanhos os detalhes e as circunstâncias. mas não guardo a mínima lembrança de nenhum dos dois casos.

enfim, posso passar muito tempo descrevendo coisas da minha vida associadas ao dda, mas acho que já me estendi bastante. e se pareço um tanto eufórico, é mais por parecer conseguir uma explicação para tantos problemas que venho enfrentando nos últimos anos, e que agora parecem atingir um ponto próximo do insuportável. é um alívio descobrir que o que te impede não é falta de caráter ou de perseverança, e sim um desequilíbrio na produção de dopamina, o que quer que isso signifique. diante disso, basta (basta? como assim?) tentar criar mecanismos de conscientização dos processo e não deixá-los acontecer.

assim parece.

de qualquer forma, encontrei outro site muito bom, o orientações médicas, escrito pela dra. sonia maria coutinho orquiza, que dá uma explicação bem detalhada da parada, com inclusive dicas de estímulo positivo dos lobinhos pré-frontais. o site do napades, da dra. ana beatriz barbosa, que anda muito badalada no assunto, ela mesma uma dda.