21 dezembro 2003

o anjo exterminador

hoje acordei piano, tranqüilão, mesmo, fiz café, li o jornal, molhei as plantas e pensei em ir pra praia. recebi a mãe do salsão, que veio dar um trato na tutuca (a gatinha da casa).

aí caí na esparrela de jack in (ah, neuromancer!...) pra ver os imeios. tinha um da duli, que levei um tempão respondendo. e me loguei aqui pra mandar um bostejinho, mas eis que topo com a grata surpresa de um comentário da conceição, que não vejo acho que desde o fim da faculdade. escrevi sobre ela há um tempo atrás, quando falei de ricardo reis. enfim, outro imeio.

bom, o saldo da brincadeira é que não consegui me desplugar. o tempo passou, nublou, não almocei e sequer consegui botar o nariz pra fora de casa. são quase nove da noite, tem um sambão comendo solto desde de tarde em algum lugar da rua e eu, nada. achei que era num terraço aqui em frente, mas não tenho certeza de onde vem a música.

além de não conseguir sair de casa, continuo sem celulari e, portanto, impossibilitado de entrar em contato com quem quer que seja.

para não dizer que estou apenas choramingando pelo dia (voluntariamente) perdido, encontrei no gravataí merengue uma história hilária sobre a aracy de almeida, contada pelo caetano.

quando se fala em aracy de almeida, a primeira imagem que me vem a cabeça é dela como jurada do sílvio santos. na época, já uma senhora, ela parecia uma bruxa de óculos escuros, emoldurada por um pixaim bléqui, com o humor de uma sogra com tpm. só anos depois é que fui entender porque era ela que gongava os calouros, ao som do famoso bordão "vai levar dez paus". mas chega de blábláblá e vamos à história, de 26 de novembro do corrente:

CAETANO VELOSO: "LETRA SÓ" E "SOBRE AS LETRAS"

Chegaram hoje os dois livros de Caetano Veloso, recém-lançados pela Companhia das Letras. "Letra Só" é uma compilação de letras de música. Uma boa para quem não tenha os encartes de todos os CDs. Para os que têm, que se presume sejam fãs, é uma ótima (pois para fã tudo do ídolo é ótimo). Tiro certeiro da editora.

Já "Sobre as Letras" é uma coisa mais interessante, sobretudo para os fãs. Caetano fala de suas letras, desfaz alguns postulados até então tidos como verdadeiros, e explica situações bem inusitadas. Gostei muito do pouco que li.

Uma vez falei da música "A Voz do Morto". Adoro a letra, adoro a melodia. Ele fez para a Aracy de Almeida, disso eu sabia. Mas não conhecia o contexto da coisa. É algo engraçado, faz parte da história da MPB (Aracy, Caetano e o contexto).

Quem quiser ouvir a gravação na voz do autor, precisa conseguir o "compacto duplo ao vivo", gravado com Mutantes (do qual constam, além dessa, "Baby", "Saudosismo" e "Marcianita"). Era o showzinho gravado na boate Sucata, paralelamente ao Festival da Globo de 1968 (em que CV tocou "É Proibido Proibir" e deu no que deu...).

Vejam como Caetano Veloso narra o episódio da composição:

"Assim como 'Baby' me foi sugerida por Bethânia, 'A Voz do Morto' me foi ditada pela Aracy de Almeida. Ela estava em São Paulo para fazer a Bienal do Samba, que era um festival só de sambas, e estava muito irritada com a ideologia em torno daquilo. Ela vei falar comigo: 'Pô, me tratar como glória nacional pensando que vão me salvar? Puta que o pariu, salvar o caralho! Estão pensando que vaão salvar o samba na televisão? Salvar o caralho! Quero que você faça um samba porque você que é o verdadeiro Noel, porque você é violento, você é novo!'. Era assim que ela falava para mim: 'Eu já estou por aqui, de saco cheio' - e ela pegava, como se tivesse saco mesmo -; 'Eu estou de saco cheio desse negócio de Noel Rosa, ter que arrastar esse morto pelo resto da vida. Quando eu canto é a voz desse morto! E ninguém me engana com essa porra não, de festival do samba. Faça uma música da pesada para eu gravar, esculhambando essa porra toda!'. Ela me ditou o samba! Fiz essa música, ela adorou e gravou"

Agora, a tal letra:

A VOZ DO MORTO - Caetano Veloso
Estamos aqui no tablado
Feito de ouro e de prata
De filó, de náilon
Eles querem salvar as glórias nacionais
As glórias nacionais
Coitados
Ninguém me salva
Ninguém me engana
Eu sou alegre
Eu sou contente
Eu sou cigana
Eu sou terrível
Eu sou o samba
A voz do morto
Os pés do torto
A vez do louco
A paz do mundo
Na glória
Na glória
Na glória
Na glória
Eu canto com o mundo que roda
Eu e Paulinho da Viola
Viva Paulinho da Viola