17 janeiro 2004

sobre porcos e homens

ontem, zapeando pela tv a cabo de babãe, assisti a uma adaptação da “revolução dos bichos”, de george orwell. 1984, do mesmo autor, é um dos meus clássicos de todos os tempos, e a “revolução...” me impressionou bastante aos 14 anos; os porcos, em especial (muito do asco era graças ao medo que adquiri de jodie, o porco-demônio de “horror em amityville”, que acabara de ler na casa de meus primos).

o filme não estava mal. a computação gráfica foi fundamental para fazer os animais falarem, os porcos caminharem em duas patas e pegarem objetos com os cascos. a transposição do romance também estava bem fiel, até o final botar tudo a perder. no livro, o desfecho é perturbador: porcos e homens sentam-se em torno da mesa da fazenda tomada, negociando e bebendo uísque (em clara desobendiência aos mandamentos da revolução), enquanto o narrador diz que “quem os observasse, não saberia mais distingüir porcos de homens”. ponto final.

mas na película, a maldição do happy end atacou. não satisfeito, o diretor john stephenson quis melhorar o perfeito. e fez com que alguns animais fujissem para as cercanias da fazenda, e lá esperassem o fim da tirania dos porcos. há uma alusão à queda do muro de berlim, e no fim, mostra os animais satisfeitos por receber uma nova família que compra a fazenda (!!!). e o take final mostra papai, mamãe e um casal de filhinhos, todos louros e lindos, com sorrisos de cera à la kennedy, passando com um conversível por cima da placa caída da “animal farm”.

porque os animais que sobraram não assumiram a gestão da fazenda eles mesmos, dentro de um esquema de produção coletiva e igualitária, sem líderes, como era o ideal da revolução?

é o maldito reforço da mensagem de que os homens não podem se auto-gerir, de que necessitamos de especialistas que "pensem por nós". de que dependemos de uma estrutura de produção e de vida onde alguém domina o conhecimento e os meios de produção, enquanto o restante permanece alienado do processo, possuindo apenas a força de trabalho. cada um podendo fazer apenas aquilo que sabe, sem que as aptidões de cada um possam ser compartilhadas coletivamente. o conhecimento permanece na mão de especialistas, que o mistificam e o tornam em fetiche. não precisamos de quem nos diga o que fazer. não precisamos de senhores ou líderes. power to the people!

cruzes, como estamos marxistas hoje!...

mas é isso: marx vive! o problema é que as pessoas confundem o regime comunista - fechado em diretrizes de uma elite política, com doutrinas que se cristalizaram e, por isso, ruíram -, com o arcabouço filosófico proposto por marx - plural, dinâmico e, por que não, repleto de contradições, como todo bom arrazoado filosófico.