19 fevereiro 2004

livros perdidos para mulheres

outro dia estava contabilizando: costumo emprestar livros para mulheres em que estou interessado, e acabo perdendo-os para sempre. e o pior é que não são livros banais - geralmente são edições difíceis de serem encontradas, e que, desconfio, elas sequer sabem dar-lhes o devido valor.

também já me interessei muitas vezes por mulheres qualquer-nota, não posso deixar de dizer. não que as descritas aqui sejam necessariamente assim. foi só uma constatação...

o primeiro livro perdido foi uma edição comemorativa do 1984, do george orwell, em inglês, impressa em 1984. emprestei para uma colega do bahiense, por quem eu estava perdidamente apaixonado. até poesia pra ela escrevi. hoje ela é uma atriz da globo, muito famosa, muito loura e muito siliconada. o livro não é romântico, mas expressava toda minha angústia de estar estudando num colégio de surfistas ricos, onde por uma dessas ironias da vida, acabei virando uma espécie de consultor intelectual informal de um grupinho da turma. não peguei a mulher, e ainda por cima perdi o livro.

o segundo foi para uma menina com quem estava tendo um caso. ela tinha um namorado que estava morando nos estados unidos (com quem depois acabou se casando, e de quem está separada hoje). passamos seis meses namorando escondido dos amigos dela, varando noites bebendo e trepando. emprestei-lhe o noites florentinas, da marina tsvetaieva, uma poeta russa da época da revolução bolchevique. leitura intensa, febril, de uma mulher apaixonada e pouco compreendida no seu tempo. dizem que ela deixou um baú com escritos, que só poderia ser aberto depois do ano 2000, segundo ordem expressa em testamento. a data expirou, a imprensa não noticiou nada e não sei o que foi feito do baú - bem como do livro. era uma edição portuguesa, que eu dei uma sorte impressionante de achar na livraria do estação botafogo, junto com o diabo, livro de contos da mesma autora. até hoje, o diabo me olha inquisidoramente da prateleira, perguntando por seu amigo. posso até procurá-la, mas tantas vezes ela já mudou de casa desde então, que duvido que o livro não tenha se perdido.

depois teve um que tenho até vergonha de contar. uma amiga com quem estava tendo uns encontros fortuitos esporádicos - e por quem até hoje tenho um certo quebranto, apesar de ela ter voltado para o marido - mandou-me pelo correio um livro do frans masereel, passionate journey. uma história toda contada com xilogravuras, sem palavras. emprestei para uma conhecida de anos, com quem comecei a ter um rolo. tempos depois nos afastamos, pelo próprios rumos que a vida tomou. nos reencontramos há pouco tempo, ela está casada e com filhos - mas perguntarei sobre o livro qualquer dia desses.

o outro foi histórias de nasruddin, com estorinhas protagonizadas pelo personagem que personifica diversos ensinamentos sufi. emprestei numa noite de bebedeira para a namorada do irmão da menina que ficou com o livro do masereel (entenderam ou querem que eu explique de novo?). ele acabou o namoro, e a menina morava em brasília. pelo menos esse livro foi reeditado e é fácil de encontar.

e por último, tem o admirável mundo novo, do aldous huxley, com a descrição de futuro mais próxima do que estamos vivendo hoje. manipulação genética elevada a máxima potência, abolição das relações amorosas exclusivistas (todo mundo é de todo mundo), imediatismo absoluto na realização dos desejos, e implantação da estrutura da "civilização" (que ele chama de utopia) apenas em áreas economicamente viáveis. esse não sei para quem emprestei. já achei que foi para uma colega de mestrado, minha irmã ou um amigo meu. realmente o emprestei para minha colega, mas ela já mo devolveu. mas tanto minha irmã quanto meu amigo negam que eu os tenha emprestado. tem uma outra amiga, para quem eu poderia tê-lo emprestado, que também diz não saber de nada. não sei. é uma edição antiga, cuja tradução é muito melhor que essa nova da editora globo.

não sei. acho que tenho que ser menos empolgado das próximas vezes. já tive muito prejuízo para uma vida...