08 maio 2004

fragmentos

a expressão "fragmentos" quem inventou foi minha irmã, para se referir a todos os livros que soltam páginas, e às vezes, seções inteiras. isso começou no fim dos anos 80/início dos 90, para designar o estado em que se encontrava minha cópia emprestada d'o exorcista, do william peter blatty. desde então, todo livro que se despedaça é chamado por nosostros de "fragmentos". (um dia bostejo mais sobre ela, minha irmã - uma figuraça ímpar. entre nós, muito do equilíbrio de um depende do outro, e vice-versa. tô te devendo, coisinha...).

mas os fragmentos a que me refiro são pedaços de textos que escrevo em qualquer lugar, e que nunca viram nada além de lembranças de determinados momentos. tão íntimos que não devem fazer sentido a ninguém além de mim. mas, como topei com uns três por agora, enquanto futucava "as catacumbas de papel", resolvi arriscar e bostejar. como monarca absoluto e déspota de mim mesmo, declaro que assim seja:

fragmento 1 - diário de arraial 'dajuda
sexta-feira, 12


depois de uma noite virado (passando roupa, escrevendo, arrumando mala e chateando com a maffalda), tereza passa de táxi às 7h para irmos para o aeroporto. tomamos o avião até são paulo, onde faríamos baldeação. no mesmo vôo, já era possível identificar muitos famosos, inclusive uma grande estrela global, recente heroína de manoel carlos, a quem eu quase atropelei, depois de um giro brusco de 180o na hora do embarque. no segundo avião , assim como no primeiro, bastou o avião decolar (é a hora que mais gosto, seguida das do pouso e do lanche) para que eu chapasse. cheguei em porto seguro um zumbi. depois de tomar uma vã do aeroporto até umas barcas que nos levariam ao hotel, estávamos incógnitos. ambos nervosos com a situação nova, mas mantendo a pose e ostentando uma naturalidade quase blasé. na barca saquei quem deveria ser a diretora de marketing, fui até ela e me apresentei. bingo! ea nos cumprimentou e abraçou a tereza, como nos conhecesse há anos. recepção calorosa. bom, muito bom. já no hotel, nos indicaram o quarto, e depois partimos para o almoço. ótima comida, embora sentisse uma ponta de frustração pelo cardápio não ser típico, pois desde o rio eu salivava ao pensar em acarajés tapiocas, abarás, pimentas e camarões. nos adiantaram todo o material que precisávamos, com uma eficiência que desmentia tudo o que dizem dos baianos. mais tarde foi que descobrimos que quase ninguém dali era baiano.

fragmento 2 - sem título, sem data

a mulher é um ser magnífico demais para ser maltratado. especialmente aquela que a gente gosta. se cada pequeno gesto, mesmo imperceptível para elas, é uma fonte de prazer infinito, o mínimo que se pode fazer é ter como obrigação (ou melhor, tarefa de vida) retribui-los com o máximo de devoção - cobrindo-as de carinhos, mimos, agrados e gentilezas. durante muito tempo enxerguei nas mulheres o objetivo único e primário do sexo. o resto era como se fosse um interlúdio até o próximo intercurso. e como, para conseguir meu quinhão, era preciso tolerá-las, que pelo menos elas fossem agradáveis, e principalmente, interessantes e vivazes. como desperdicei oportunidades de ouro! como deixei escapar gentes maravilhosas. hoje sei que não é nada disso...

fragmento 3 - sem título, sem data

Sou escravo e senhor das ardósias,
molduras vivas de um poente de mel
que irradia do centro da noite.

Talvez a fonte mesma do néctar
de flor em que me afogo
quando soas tua música mais profunda.

fragmento 4 - sem título, data previsível

ontem foi o segundo turno das eleições para presidente, e o lula ganhou de lavada. de noite, eu e gabriela fomos a casa de um casal amigo comemorar a vitória e tomar umas cervejas. estava lá uma amiga, em vésperas de seguir para o méxico - conhecera um mexicano no "encontro das américas" e pensava em morar com ele. depois chegaram grazi, joana e daniel. conversei muito com este, e combinamos para ele aparecer na faculdade na quarta, assistir uma das minhas aulas e participar de uma sessão do laboratório. gosto muito dele. é um cara bastante perspicaz e intiutivo. o papo flui bem, porque ele pega as coisas rápido e desenvolve questões interessantes. todos estávamos muito animados com o lula, e pensei que vivíamos um momento histórico para o país, e que talvez pudesse ser possível contar a história de cada um de nós a partir daquele ponto.