outro dia - antes dos acontecimentos fatídicos de anteontem - na sala contígua à minha, no escritório em que trabalho, botaram imagine para tocar. aí, ouvi alguém de lá comentando:
"esse cara não precisava ter feito nada, só essa música já bastava, né?"
apesar da pena que uma ignorância de tal magnitude deixa transparecer (de beatles, você nunca ouviu falar, minha filha?), a asneira soou como uma chicotada.
odeio imagine. como odeio qualquer obra com a pretensão de passar uma "mensagem". ou melhor, em que objetivo de transmiti-la se sobreponha sobre forma e/ou conteúdo. mas, infelizmente, é o caso dessa música. transborda boas intenções, mas é de uma ingenuidade boçal.
(além do mais, todos sabem em que lugar as boas intenções e seus autores costumam ir parar.)
de tão executada, a suposta vitalidade de conteúdo esvaziou-se. ela já deve ter figurado até em publicidade de papel-higiênico. é um pouco o caso de what a wonderful world, cantada pelo louis armstrong. metade dos filmes americanos nas duas últimas décadas usou-a para ilustrar todos os tipos de emoções e situações: nascimento, morte, defloração, bombardeio...
outro caso é aquela canção do carl orff, o fortuna-sei-lá-o-quê, do carmina burana. o único bom uso desta foi em excalibur, do john boorman, na cena da cavalgada de recuperação do rei arthur. foi a primeira vez que a ouvi, e a imagem gravou-se a ferro na cabeça. até hoje, quando a ouço, visualizo a cena.
(essa é a nossa dica de cinema da semana.)
mas, voltando ao imagine, um dos agravantes que ma fazem detestá-la é saber que tem uma grande possibilidade da japa-vodu yoko ono ter metido o bedelho lá.
o fato é que os grandes não buscaram passar nada. vá achar "mensagem" em rubens, velasquez, nelson rodrigues, mozart. o que é mais bonito e representativo de picasso? a série de pinturas das touradas, ou as "imagens da guerra", e guernica? não adianta, "mensagem" é para pouquíssimos, e definitivamente, o nosso "beautiful boy" não figura nesse hall.