15 dezembro 2004

o despertar dos idiotas

O grande acontecimento do século XIX foi a ascensão espantosa do idiota. Até então, o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. Não vejam em minhas palavras nenhum exagero caricatural. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais atreveu-se a mover uma palha, ou a tirar uma cadeira do lugar. E então, aquele sujeito que, em 50 mil, ou cem, ou duzentos anos, limitava-se a babar na gravata, aquele sujeito, dizia eu, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturamente etc. Houve, em toda parte, a explosão triunfal de idiotas. Muitos estranham a violência da nossa época. Eis um mistério nada misterioso. É o ódio do idiota, sempre humilhado, sempre ofendido, sempre frustrado, e que agora reage com toda a potência de seu ressentimento.

Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobrem que são em maior número e sentem a embriaguez da onipotência numérica. Bertrand Russell diz, por outras palavras, que sem o ódio não exixtiriam nem Marx, nem marxistas. Mas a vitalidade do marxismo depende dos idiotas.


Nelson Rodrigues. O Pesadelo Humorístico (p. 72), in: O reacionário, memória e confissões.

mais um trecho genial do Nelson Rodrigues. o que importa se ele fala mal de marx? um sujeito que teve peito para dizer uma coisa dessas, com tal ironia, num jornal diário, em pleno 1969, merece meu crédito. é um iconoclasta fantástico. vejam que ele não tem a menor preocupação de teorizar ou embasar sua opinião.

são passagens como essa que me orgulham de ter forçado barra para batizar minha turma de faculdade com seu nome. evoé! zut! zut!