15 março 2005

dois fragmentos de um fragmento - carl solomon

..ou "como se sentir bem tendo apenas uns poucos tostões no bolso".

hoje me dei alta. dos remédios, do medo que trava as palavras e causa inércia, da pornografia de massa que narcotiza o pensamento e transforma homens em eunucos ansiosos. em breve procurarei reatar relações com algumas pessoas, tentar não emendar cacos, mas partir novamente do zero, agora que a cachola parece seguir bem. o inconsciente não é reprodução, é criação, disseram mais ou menos isso deleuze e guattari.

mentira. a verdade é que há semanas, muitas, as engrenagens fluem sem aditivos. mas só hoje me dei conta. o nazismo inventou que o trabalho liberta, o capitalismo comprou a idéia e a martelou tantas vezes que tornou-a verdade. mas não é nada disso, não; o que liberta é a disciplina. meu pai já sabia, e a pedra cantou quando me atingiu a cabeça com uma agenda. baby-steps, um dia de cada vez. cada marca, uma vitória.

então, hoje fui ajudar um amigo que está na foz do iguaçu. na rua, me assombrou o tamanho dos prédios, o calor do dia, mas olhava para tudo e tudo estava bom. na volta, encontrei numa banca "de repente, acidentes" (tradução esperta para perhaps, mishaps), do carl solomon. comprei e peguei um ônibus que fazia um trajeto mais longo, para curtir o ar-condicionado e o livro.

epifania de R$ 12,00. foi de lá que retirei os seguintes trechos sincrônicos:

Os dadaístas achavam que tinham algo a ver com o suicídio. Eu tenho mais a ver com o não-suicídio. Tente o não-suicídio. O grande lance aqui é quando alguém se suicida e você não. Eu tenho vários desses pequenos truques em casa. Como não-inadaptação, não-derrota, não-revolta, não-beatness, não-hipness.

....

Ninguém sabe sobre o que o outro está falando, e toda conversa, mesmo que seja sobre a guerra, é conduzida apenas pelo prazer da discussão. Discutir nos dá a impressão de que pelo menos a verdade, esta enguia escorregadia, é acessível á discussão e será a recompensa do argumentador mais forte. "Eu penso", "Você pensa"... Como se houvesse algo para pensar. Eu nunca vi um pensamento, nem livre nem censurado, e duvido que tal coisa exista. Mas eu vi corpos, de todas as formas e tamanhos, em todos os tipos de posições e apuros, e definiria então um pensamento livre como um corpo sentado em um banco de praça. Enquanto um pensamento censurado seria um corpo preso numa camisa-de-força.