09 outubro 2005

coluna do ximenes

de 08/10. a todos que já amargaram na mão da telemerda:

Disk-Inferno

Sou o consumidor que a Telemar pediu a Deus. Dou uma boiada, seis galinhas e duas mariolas para não entrar numa briga; portanto, nunca conferi uma conta. Deveria. Afinal, há sete anos a Hellemar está no topo da lista das empresas com mais reclamações registradas no Procon do Rio, justamente por cobranças indevidas. Mas eu sempre lhe dei um voto de confiança. A empresa, contudo, me acusou de mafioso esta semana.

Pode parecer que se trata de um problema pessoal. Mas sofrer com a Hellemar é um esporte que quase todo carioca pratica. Um esporte assaz simbólico de um cotidiano marcado pelo desrespeito institucionalizado em todas as áreas: segurança, consumo, serviços. Assim, creio que este samba da telefonia louca é de interesse dos leitores.

Estou de mudança e pedi transferência da linha. A Hellemar se negou a fazê-lo: alegaram uma dívida, referente ao mês de abril, dos antigos moradores do apartamento para o qual estou indo. Então tá.

Entrei em contato com a antiga moradora, que é gente de bem. Ela nunca soube dessa dívida. Há de ter sido confusão na cobrança. Seja como for, ela não teve qualquer problema para cancelar sua linha quando se mudou? e já tem outro telefone! Ou seja, alguém não paga uma conta seja lá por que razão, nunca é cobrado, cancela a linha, consegue outra, e fica por isso mesmo. E o problema passa a ser de quem se mudar para esse endereço depois.

Pelo telefone, a atendente V. me explica que a intenção não é me repassar a dívida. Ufa! Só que eu preciso provar que em abril eu não morava no meu futuro endereço. Kafkaqui, Kafkalá, viva a Telemar.

O nome-CPF da linha A SER transferida usa a Telemar por anos em determinado endereço. A Telemar, entre todas as possíveis instituições deste planeta, SABE onde este nome-CPF estava em abril. Sabe que não era no apartamento para o qual foi pedida a transferência. Esco-esco-esco, a Telemar é uma peça do Ionesco. Mas V. diz que vai “explicar”:

— Por exemplo, o senhor tem um telefone com seu nome e CPF e não paga a conta, então cancela a linha e pede outra com o CPF do seu filho. Para evitar isso, nós não conectamos a linha se houver dívida no mesmo endereço.

Ah, então é isso. Não se trata do absurdo, mas de algo bem mais banal: Mario Puzo. A Hellemar acha que sou pai do Sonny Corleone. Embora não haja dívida neste nome-CPF que há anos é cliente da empresa, eles partem do princípio que este nome-CPF está armando um golpe familiar contra eles. Bem, reza a lei que cabe ao acusador o ônus da prova. Menos no universo Hellemar.

Então, lá vou eu perder uma tarde de trabalho, gastar dinheiro com transporte, para levar a documentação requerida por eles. Mostradas as provas de que este nome-CPF nada tem a ver com a dívida, entra em questão a transferência. Aí, a coisa se transforma em “Eu, robô”, a versão com o Will Smith. Ou qualquer ficção científica na qual o mundo é dominado por grandes corporações. Os atendentes W. e D. negam todos os procedimentos sobre a transferência que, antes, V. havia “explicado” ao telefone.

— Então o 103 deu informações erradas?

— Não nos responsabilizamos pelas informações fornecidas ao telefone.

— Então quem se responsabiliza pela informação correta? Não existe uma pessoa com quem se possa falar?

— Não. Existe uma empresa. A Telemar.

— Então porque a mesma empresa diz uma coisa ao telefone e outra ao vivo?

Sem resposta.

— E o cliente, como fica?

— O cliente segue os procedimentos da Telemar.

Vinte minutos à frente, W. solta a seguinte pérola:

— Sei que pareço robótico, mas você fica repetindo as mesmas perguntas.

— Claro, nenhuma resposta faz sentido.

Bem, nem tão robótico assim. Quando cheguei em casa, o telefone já havia sido cortado. Um dia antes do previsto. Ou seja, parece mesmo uma história de Mario Puzo. Com toques de Kafka, Asimov e Phillip K. Dick.

Solução: nenhuma. A Hellemar é um monopólio privatizado e tem poder absoluto sobre nós. É a autocracia corporativa nos limites do absurdo. Seria trágico, se não fosse cômico.