05 dezembro 2005

a morte, vladimir marina e eu.


tenho a morte como companheira. gosto de mantê-la a um braço de distância, do lado esquerdo, como ensinou castañeda ["áurea" no fim do terceiro parágrafo quase derruba a credibilidade]. se virar rápido a cabeça e sentir um arrepio, pode crer que você a viu.

por considerá-la uma amiga presença, não a temo. é uma espécie de conforto. não tenho pressa, mas ela um dia me envolverá e tudo será escuridão, como era antes de nascer. quando chegar minha hora, não quero explicações, paraíso, redenção, imortalidade, porra nenhuma: apenas silêncio.

aos que me imaginam vítima de alguma depressão noturna, nada disso: meu desejo é apenas expressar que, apesar de minhas crenças, sentiria um prazer infinito se alguém, algum dia, escrevesse as palavras abaixo. aí sim, tudo se justificaria:

A Vladimir Maiakovski

A cima das cruzes e dos topos,
Arcanjo sólido, passo firme,
Batizado a fumaça e a fogo -
Salve, pelos séculos, Vladímir!

Ele é dois: a lei e a exceção,
Ele é dois: cavalo e cavaleiro.
Toma fôlego, cospe nas mãos:
Resiste, triunfo carreteiro.

Escura altivez, soberba tosca,
Tribuno dos prodígios da praça,
Que trocou pela pedra mais fosca
O diamante lavrado e sem jaça.

Saúdo-te, trovão pedregoso!
Boceja, cumprimenta - e ligeiro
Toma o timão, rema no teu vôo
Áspero de arcanjo carreteiro.

Marina Tsvetaeva


maiakovski é chapa desde os meus 15 anos, quando o descobri na estante de uma prima mais velha, em são paulo. para um burguesinho revoltado que tinha acabado de cortar o cabelo moicano, foi paixão à primeira vista. envelheci, errei muito, acanalhei-me, mas algo do que preservo de belo e íntegro está naquelas páginas.

já a tsvetaeva me foi apresentada por um grande amigo, o arima, hoje em portugal. aliás, ele também me apresentou o kaváfis, o que me rendeu boas gargalhadas quando assisti ao "morango e chocolate".

passei um tempão gramando atrás de livros dela, já que (ô, vergonha!) nenhuma editora brasileira se dignou a publicá-la. até que, num golpe de sorte, consegui encontrar dois livros portugueses em prosa ("noites florentinas" e "o diabo"). o primeiro acabei emprestando para uma ex-meio-namoradinha que não mo devolveu, e pior, sequer deve tê-lo lido! bem-feito para mim.

se ainda estivéssemos no tempo dos escudos, um arremedo de moeda como a nossa ainda é, eu poderia acionar meus contatos na terrinha e encomendar alguns livros, mas o euro, mesmo tendo baixado, continua proibitivo ao meu não-orçamento. maldita comunidade européia! o jeito é ir catando aqui e ali os haroldos de campos da vida. quem mandou ser pobre?