acabei de reler, 10 anos depois, um dos grandes livros que já me passaram pelas mãos: O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, do meu mestre ariano suassuna. antes da reimpressão que saiu há pouco, o livro estava fora de catálogo há uns 30 anos. minha edição é de 1971, encontrada depois de muito esforço num sebo que nem existe mais, em frente ao museu da república, no catete.
um amigo meu, pernambucano, me disse, na época da primeira leitura, que se eu fosse à casa de ariano dizendo que tinha lido o livro, era capaz até de ele me convidar pra almoçar.
o tema seria, canhestramente definindo, uma síntese da cultura nordestina e brasileira, escrita sob o ponto de vista de D. Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, ou D. Pedro IV, o Decifrador, um sebastianista que se acredita o verdadeiro herdeiro do trono do brasil (sem nenhuma relação, como ele mesmo diz, "com os impostores da casa de bragança"). aqui tem uma explicação mais completa sobre o livro e o folclore nele inspirado, em pernambuco.
o "tijolo" (625 páginas, fora o posfácio de maximiano campos), é um gozo, digno de um verdadeiro "gênio da raça" -- o criador de uma "obra completa", que reúne as caracerísticas do "[...] Poeta de estro, cavalgação e reinaço, que é o capaz de escrever os romances de amor e putaria. [...] o Poeta de de sangue, que escreve romances cangaceiros e cavalarianos. [...] o Poeta de ciência, que escreve os romances de exemplo. [...] o Poeta de pacto e estrada, que escreve os romances de espertezas e quengadas. [...] o Poeta de memória, que escreve os romances jornaleiros e passadistas. E finalmente, [...] o Poeta de planeta, que escreve os romances de visagens, profecias e assombrações".
para terminar, transcrevo um poema do livro sobre a morte de d. sebastião. ouvi-o do próprio ariano em uma de suas "aulas-espetáculos". a autoria é de um cantador cujo nome infelizmente não recordo:
"Nosso Prinspo se perdeu
nas terras do Malpassar.
Deitam sortes à Ventura
quem o havia de buscar.
O Cavaleiro escolhido
não se cansa de chorar:
vai andando, vai andando,
sem nunca desanimar,
até que encontrou um Mouro
num Areal, a velar.
- Por Deus te peço, bom Mouro,
me digas, sem me enganar,
Cavaleiro de armas brancas
se o viste aqui passar.
- Desse Cavaleiro, amigo,
dize-me lá os sinais.
- Brancas eram suas Armas,
seu cavalo é Tremedal.
Na ponta de sua Lança
levava um branco Sendal
que lhe bordou sua Noiva,
bordado a ponto real.
- Esse Cavaleiro, amigo,
morto está, nesse Pragal,
com as pernas dentro d'água
e o corpo no Areal.
Sete feridas no peito,
cada uma mais mortal:
por uma, lhe entra o Sol,
por outra, entra o Luar,
pela mais pequena delas,
um Gavião a voar!
Mas é mentira do Mouro,
seu desejo é me enganar:
o nosso Prinspo encantou-se
nas terras do Malpassar
e, um dia, no seu Cavalo,
ao Sertão há de voltar!"