a lembrança mais remota de contato com a música do frank zappa vem da época em que a mtv passava na tevê aberta, lá pelo idos de 92. como acontece até hoje, as melhores canções não passavam nos horários ditos comerciais.
ao voltar, numa madrugada, de uma festa daquelas de deixar mareada estátua de marechal a cavalo, fui realizar um ritual então freqüente: comer um prato de comida gelada, assistindo tevê e lendo jornal, tudo ao mesmo tempo, antes de adormecer de roupa no chão, com a luz acesa.
eis que exibem um clipe, se pouco me engano (o que é difícil, pois vivo me enganando, de variadas maneiras), mostrando um carro correndo por cenários de massinha, embalado por um fluxo constante de guitarra. mas nada daqueles solos masturbatórios à la rush, em que o guitarrista fica, como dizem os gringos, "self-indulging". não amiguinhos, havia um propósito, a música ia para algum lugar.
fiquei intrigado quando o nome "frank zappa" pipocou na tela, porque não esclarecia absolutamente nada. como ainda vivíamos tempos de pré-internet, com o dólar deixando o preço dos discos importados proibitivos, a informação de pouco valeu.
corte para o ano 2000. eu trabalhava na cinelândia, e aproveitava o resto da hora de almoço para bundar pela pedro lessa, uma ruazinha de pedestres do lado da biblioteca nacional, com barraquinhas onde vendem-se antigos elepês e cds copiados.
uma capa me chamou a atenção. tinha umas fotos grotescas de arcadas dentárias, e o visual de revistas em quadrinhos de terror dos anos 50. the ark era o registro de um concerto de 68. não sou muito chegado em "ao vivos", mas não resisti à capa. comprei e fui ouvir no computador do trabalho. cruzado de direita no queixo.
tinha todos os elementos "zappianos". improvisações, experimentalismos dodecafônicos (ou coisa que o valha), bate-papo e participação da platéia, e "ixpertezas", como fazer as músicas "caberem" no disco cortando-as com um ruído de agulha no vinil. fui irremediavelmente fisgado.
voltei e comprei strictly commercial, coletânea com bom apanhado da produção roqueira. depois fui atrás da discografia cronológica, começando com freak out, o primeiro disco conceitual da história (o sgt. pepper's só viria em 67, quase um ano depois). mas à parte as baladinhas e trouble every day (um de meus hinos pessoais), o disco soou um tanto estranho, e demorei algum tempo para digeri-lo, e até gostar mesmo dele.
os próximos foram a paródia aos beatles we're only in it for the money, e lumpy gravy, que não passa de uma colagem de sobras de efeitos dos dois primeiros discos. o que me deixou -- com perdão pela má palavra -- muito puto.
levou uns dois anos até eu voltar às boas, mais precisamente quando li uma matéria sobre hot rats. nova epifania. mas minha ex-mulher não gostava nada de frank zappa, assim como a namorada antes dela.
agora, reiniciando a vida, comecei a baixar tudo do cara, começando pelo waka/jawaka, e o que veio antes e depois. eu não podia estar mais feliz. vão-se as mulheres, fica o homem.