sou fã do ariano suassuna desde os 14 anos, quando, ainda aluno do colégio militar, fui obrigado a ler o auto da compadecida. outro dia, uma amiga até apontou a ironia do fato: uma instituição que prima pela seriedade marcial incluir em seu conteúdo programático uma obra tão irreverente.
talvez eles estivessem vendo adiante, porque além deste livro e dos já manjados machados (dom casmurro, o alienista e quincas borba), tive contato com o socialismo cristão de érico veríssimo (olhai os lírios do campo), o naturalismo contundente de aluízio azevedo (o cortiço), além de um volume de contos de diversos autores, que incluía, entre outros, mario de andrade (o peru de natal) e aníbal machado (a morte da porta-estandarte).
voltando ao mestre ariano, seu livro em nada me atraiu: a capa não denunciava nada de seu conteúdo, e a palavra "auto" não fazia parte do meu repertório lingüístico. compadecida eu até sabia o que era, mas esse diabo de "auto" era fogo. e tudo era estranho: a linguagem, os personagens ("chicó"?! porque não "chico"?!) e as situações (enterro de cachorro?!). acho que só fui entender a ironia quando fui fisgado pelo episódio do gato que descome dinheiro. a partir dali, nascia para mim um clássico absoluto.
de lá para cá, minha admiração pelo autor só aumentou. devorei e assisti a várias montagens desse e de outros títulos, e até consegui trocar duas palavras com o autor ao praticamente esbarrar com ele numa bienal de são paulo ("a mim me impressionou muito a obra de klee. e pode botar aí que gostei muito da tauromaquia do picasso", disse o mestre a um assombrado marcelo, então estudante de jornalismo que cobria a exposição para um jornal comunista). o auge foi a leitura d'o romance da pedra do reino, numa edição encontrada num sebo do catete, depois de muita sola de sapato gasta. já reli o tijolo uma vez, e pretendo repetir a dose em breve.
por isso, esperei com muita ansiedade e expectativa a transposição para a telinha da história de dom pedro dinis quaderna, o decifrador. na noite de estréia, me reuni a um grupo de pessoas na casa de uma amiga arianófila. estava ciente de que luis fernando carvalho não é guel arraes. enquanto este consegue um equilíbrio perfeito entre obra comercial e artística, o primeiro tem lá seus fumos autorais. à parte isso, considero lavoura arcaica uma pequena jóia do cinema de todos os tempos.
mas na minha humilde opinião, na pedra... ele errou a mão feio. muitas informações visuais e sonoras ao mesmo tempo, com um monte de close-ups que acabavam prejudicando o trabalho de corpo dos atores, cenários e figurinos, além do excesso de cortes "videoclípicos", que deixavam a continuidade narrativa muito quebrada. a história, que já não é muito acessível, foi muito prejudicada, e deve ter assustado muita gente à espera das estripulias de um outro joão grilo.
o resultado me deixou tão decepcionado que nem tive ânimo de ver os outros dias. mas não fui só eu. na coluna do ancelmo gois (a quem tarso de castro acusou de ser "analfabeto até no nome"), leio que o gravador j. borges faz coro comigo. reproduzo a nota:
Enviado por Ancelmo Gois - 16.6.2007| 20h17m
Ariano Suassuna
J. Borges: Pedra do Reino não tem nada de Nordeste
O xilógrafo J. Borges, considerado o melhor do Nordeste, na opinião do amigo Ariano Suassuna, não viu e não gostou da versão televisiva de "A Pedro do Reino":
- Vi apenas o comercial porque o programa passa muito tarde. Mas ouvi vários comentários. Eles fizeram uma coisa que nem parece ter sido feita no Nordeste. Parecem umas figuras romanas. Muito esquisito, muito feio. Aquilo não tem nada do Nordeste. O povo aqui está dizendo que não se encaixa bem com o livro.