29 junho 2008

a vida é um sopro

dizem pela aí que oscar niemeyer é um dos grandes gênios do século 20 e o escambau. não tenho instrumental algum para julgá-lo, mas ao assistir no canal brasil ao documentário do meu amigo fabiano maciel sobre o homem, me vi diante de uma das personalidades mais ricas que neste chão medraram.

é um sopro de vida, de inteligência, de frescor. frescor só explicável por uma absoluta tranqüilidade de consciência, como diz alguém no filme, com absoluta precisão.

niemeyer pertence à mesma tradição, repito, que kurt vonnegut: a de livres pensadores cuja única abstração na qual acreditam, e a qual servem, sem qualquer espera de recompensa ou punição, é sua própria comunidade.

são mais de cem anos de vitalidade e bons serviços prestados, fumando lá sua cigarrilha. mais vivo do que muita gente por aí, mais do que eu. deviam passar o filme no lugar desses globo repórter safados sobre saúde e qualidade de vida.

além dos depoimentos geniais, das imagens belíssimas, a arquitetura serve quase de pretexto para niemeyer falar sobre tudo, brasil, o mundo, a estupidez, vida, morte e esquecimento. as explicações sobre suas obras são tão precisas e elegantes, que justificam até brasília, cidade do meu desterro.

sobretudo, sente-se o pensamento de uma época em que o país tinha projeto, e que poderia ter dado certo.

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o fabiano conheci através de uma amiga, e logo simpatizei com ele, tantos eram os gostos que tínhamos em comum, inclusive a paixão por uma certa mulher. o problema é que ela era casada comigo na época, mas ele dava em cima descaradamente.

mesmo com ela não cedendo, de minha parte a simpatia azedou. foi necessário o tempo desfazer a união e a ferida cicatrizar para, anos depois, nos reencontrarmos e rirmos muito de tudo. a vida raramente possibilita que nos vejamos, mas o afeto existe.

de volta ao filme, um momento em especial me tocou.
diz aí, oscar:

"Um dia eu tava no exterior, chateado, longe de tudo. Pensava no Brasil, nos amigos, na família. Tava tão revoltado que eu fiz um verso preguei na parede, assim:

Estou longe de tudo
De tudo que eu gosto

Dessa terra tão linda
Que me viu nascer.

Um dia eu me queimo
Meto o pé na estrada

É aí no Brasil que eu quero viver.

Cada um no seu canto
Cada um no seu teto

A brincar com os amigos
Vendo o tempo correr.

Quero olhar as estrelas
Quero sentir a vida

É aí no Brasil que eu quero viver.

Estou puto da vida
Essa gripe não passa

De ouvir tanta besteira
Não me posso conter.

Um dia eu me queimo
E largo isso tudo
É aí no Brasil que eu quero viver.

Isso aqui não me serve
Não me serve de nada

A decisão tá tomada
Ninguém vai me deter.

Que se foda o trabalho
Esse mundo de merda

É aí no Brasil
Que eu quero viver.
"

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ó que beleza o trailer do filme:

21 junho 2008

sabática

hoje à tarde, depois de tentar por duas vezes sem sucesso sentar-me para exercitar as bordunadas e chegar à mesma conclusão daquele personagem do decamerão do pasolini, que ao finalizar a pintura de um afresco se pergunta "por que pintar, se sonhar é tão melhor?", entreguei-me a tarefas prosaicas, como pendurar umas roupas no varal, comer melancia (a fruta, não a mulher), terminar o cama-de-gato do vonnegut, beber uma jarra de café e finalmente começar a ler água viva, da clarice lispector, que me esperava desde antes do feriado de "porcus tristi".

então estava eu, absorto pelo maravilhamento da escrita da clarice, sobre quem o otto lara resende disse, com sabedoria, que o que ela fazia não era literatura, e sim bruxaria, enfim, estava imerso no que mais próximo imagino ser a alquimia da vida através das palavras, quando um dos meus vizinhos de baixo, que andava até tranqüilo ultimamente, achou por bem proclamar ao mundo sua imensa pusilanimidade ao botar uma daquelas músicas de bate-estaca a pleno volume.

só mesmo a interrupção deste momento de profundo deleite estético para me tirar de casa até a praia, sob o pretexto de aproveitar os últimos instantes de sol. como se diz pela aí, "aproveitar a vida". nada nocivo, no fim das contas.

mas antes de arrumar as coisas, dar uma mordida numa maçã e sair de casa, não pude deixar de lembrar das sábias palavras do mestre vonnegut:

"As futuras gerações vão se lembrar da televisão da mesma maneira que o chumbo nos canos d'água levou lentamente os romanos à loucura."

eu diria o mesmo de certas variações do que hoje em dia se convencionou chamar música.

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voltei da caminhada e fui cuidar de outras desimportâncias impostas pela vida. os compromissos, perdi-os. liguei para amigos, ofertaram-me propostas pouco interessantes. então novamente deitei-me com clarice e sua água viva.

eu, que semana passada necessitava de distensão, que precisei esticar ao máximo o fio da sanidade justamente para não rompê-lo, hoje me encontro em período de recolhimento, com vontade de abraçar a mim mesmo, um abraço como os que se dá em quem se ama e cujo contato se perdeu há muito tempo. como um irmão retornando do exílio.

mas parece que hoje não é dia. o meu, pelo menos. são nove da noite, e num prédio ao lado, uma horda de bucéfalos urra uma felicidade que crêem genuína, forjada, no entanto, pela televisão ou outra bobagem de massa. e gritam em júbilo, uma chuva de perdigotos fazendo companhia à baba elástica, bovina, a lhes escorrer pelo canto da boca: zaca! zaca! a turma é da fuzarca!...e por aí vai.

preciso sair de casa. felizmente, ainda há o uísque no mundo.

14 junho 2008

epígrafe

no momento em que a vida levanta sua cortina para mostrar de relance como pode ser insensível e sem sentido, retorcendo-me o juízo e as tripas como nunca imaginei que fosse capaz de acontecer, busco distração no "cama-de-gato", vonnegut recém-adquirido pela internet (cat's cradle), de onde salta a frase de abertura:

"Viva pelas mentiras inofensivas que o tornam corajoso e gentil e saudável e feliz."

quão oportuno.

04 junho 2008

há que se viver

três mocinhos elegantes


sammy davis jr. era, com todo o respeito, um neguinho feio pra burro.

baixinho, magrelo e queixudo, ele andava com dois galãs da época, o dean martin (que todos conhecemos como o parceiro do jerry lewis) e o frank sinatra. junto com peter lawford e joey bishop, formavam uma espécie de clube dos cafajestes em dólar, o rat pack, nome certamente inspirado na aparência de sammy.

mas como em hollywood ninguém dá ponto sem nó, e gente burra já nasce morta, sammy era craque na interpretação, no canto e na dança. foi o primeiro negro a ter um programa de tevê e, audácia das audácias, virou judeu.

o público devia amá-lo tremendamente, ou a máfia (via sinatra) lhe dava costas quentes, pois os rednecks mascadores de tabaco costumam encher de chumbo "quem não sabe seu lugar".

o caso é que descobri uma música genial gravada por ele, que vou adotar como mantra daqui por diante. se descolar uma gravação, bostejo aqui.

A lot of livin' to do
(Charles Strouse/Lee Adams)

There are girls just right for some kissing
And I mean to kiss me a few
Oh those girls don't know what they're missing
I've got a lot a livin' to do

And there's wine already for tasting
And there's Cadillacs all shiny and new
Gotta move me, cause time is wasting.
There's such a lot a livin' to do

There's music to play
Places to go and people to see
Everything for you and me.

Life's a ball, if only you'd know it
And it's all waiting for you
you're alive, so come and show it
There's such a lot a livin' to do

I've got a lot a livin' to do

Man, there's such a lot a livin' to do
Why, there's music to play,
places to go and people to see
Everything for you and me.

Life's a ball, if only you'd know it
And it's all waiting for you
you're alive, so come and show it

There's such a lot a livin'
Such a lot a livin'
Such a lot a livin'
Such a lot a livin' to do

02 junho 2008

amigo é pra essas coisas

meu novo amigo de infância babelikós, vulgo "maikelsgri", tem o talento literário que eu gostaria de ter, se não fosse tão preguiçoso para trabalhá-lo decentemente.

pois não é que agora ele me sai com um texto genial, um resumo de tudo o que eu queria ter dito há umas duas semanas, se idéias não tivese as idéias tão embaralhadas.

assino embaixo sem tirar nem pôr. adoro esse caboclo.

01 junho 2008

no fim das contas

um dos maiores prazeres para mim é tomar banho, e o atribuo à uma distante herança indígena. o hábito também poderia ser explicado pelo manancial de pensamentos e associações esdrúxulas que brota nessa hora. é batata: basta a água bater no corpo para a cabeça desenvolver um rizoma de bobagens. lavar louça e caminhar também causam esses estímulos.

e foi no banho que, por ocasião do meu aniversário, cheguei à conclusão de que não há presente maior, nessa ou em qualquer outra data, do que a presença dos amigos, física, virtualmente ou em lembrança. quando era criança, só queria saber de brinquedos. depois foi o tempo das roupas e dos tios chamando à parte para nos enfiar no bolso um envelope com cheque ou dinheiro. não vá gastar tudo em bobagem, conselho que nunca pude seguir. mas não há nada que substitua os abraços e beijos, ligações, imeios, recadinhos pela internet, ou o daqui a pouco eu ligo que vira esquecimento. afinal, somos todos humanos. tudo muito simpático, de verdade.

por isso agradeço a todos os que já riram comigo ou de mim, aos que me viram chorar ou que choraram comigo, aos que dividiram os momentos de angústia ou que sofreram por mim, aos com quem sentei em mesa de bar, que beberam até vomitar na minha casa ou eu nas deles ou em seus carros. aproveito para agradecer àqueles que me amaram de alguma forma, abertamente ou em segredo, especialmente às moças, mesmo as que me odiaram, ignoraram ou me devotaram seu desprezo. saúdo os que já me fizeram perder a paciência, os que correram atrás de mim por algum interesse ou favor, os que alguma vez tenham me humilhado ou invejado (quem diria que eu poderia ser digno de inveja, talvez o seja, sei lá), os meus credores... enfim, meus agradecimentos sinceros a todos aqueles que me fazem lembrar que estou vivo aqui nesta terra e que existo. é por vocês que eu acordo, faço a barba, corto e penteio os cabelos (como disse antes, banho eu tomo porque gosto), é por vocês que mofo oito horas por dia num labirinto de ratos por dinheiro, que arrumo a casa, e, por mais que me entristeça, é por vocês que não ando nu como é de minha natureza e como gostaria de andar.

a todos vocês, "ícones guardados num coração-caverna/ como quem num banquete ergue a taça e celebra/ repleto de versos levanto meu crânio". obrigado também, maiakovski, pelos versos. obrigado do fundo do coração. a vida tem sido boa para mim. sem vocês todos ela não seria a mesma. são 35 outonos - a mais bela das estações - de serviços prestados mais ou menos nas coxas, mas que coxas!

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musica do dia: