o que sei de joão antônio ferreira filho é que ele era paulista e jornalista e morava de frente pra praça serzedelo correia, em copacabana. achei mais coisa sobre ele aqui. mas antes já tinha achado a reedição da cosac & naify de Ô, Copacabana! (1978), relato apaixonado sobre o bairro que o adotou, e agora a mim.
neófito que sou, vejo copa um pouco como ele a canta: "(...) Enxovalhada, roída, todos os defeitos gritam, dão desgosto. E estamos bem enfarados dela, chega que dói, desancada a relar em ter sido a mulher de quem já se gostou. (...) É a infeliz, a que foi, calada. Lá no fundo dos olhos, morteiros hoje, de cadela mansa, onde o tempo se esconde, ela ainda atiça, volta e meia, depois da espreita, matreiro, debochado, raro, um brilho, aquele que espeta, chamado dos dezoito anos."
Carioca da gema
Carioca, carioca da gema, seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se sentar no meio-fio e chorar diante de uma tragédia.
O resto é carimbo.
Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, meu tio-avô Rubens, mulherengo de tope, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, impertigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, a me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas no meu tempo de menino.
Folgado, finório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, superficial festivo até as vísceras. Adjetivação vazia... É só idéia genérica, balela, não passa de carimbo.
Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. É onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o Carnaval.
O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada - de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fica mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas, e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadorase universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fina, modo atilado de se driblarem os percalços.
Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apanhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:
"Está ruim pra alandro" - o advérbio até está oculto.
"Quem tem olho grande não entra na China".
"A galinha come é com o bico no chão."
"Tudo de mais é veneno."
"Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte."
"Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela."
"Não leve uma raposa a um galinheiro."
"Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro."
"Há duas coisas em que não se pode confiar. quando alguém diz 'deixe comigo' ou 'esse cachorro não morde'."
"Amigo, ebendo cachaça, não faço barulho de uísque."
"Da fruta que você gosta eu como até o caroço."
"A vida é do contra: você vai e ela fica."
Como filosofia de vida ou não, vivendo em uma cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convivendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem ninguém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros.