Como o Velox andou de sacanagem comigo nos últimos dias, saindo do ar etc. Deixei de postar algumas paradas.
queria contar uma cena que vivi outro dia.
Vinha eu de uma consulta num médico, na Gávea, de tarde. Enquanto o 410 serpenteava pela área do Estácio-Rio Comprido, coalhada de morros, eu ia tranqüilão lendo meu Fante.
Na Campos da Paz - rua que já até me inspirou uma poesinha no colégio -, ao dobrar a esquina numa loja de ferragens bem na subida do morro de São Carlos, ouço duas pancadas, como se estivessem batendo com um martelo numa chapa de ferro.
um pouco adiante, vejo um cara em trajes civis, atrás de uma pilastra da loja, empunhando um baita fuzil. As pancadas eram tiros que ele dava em direção a uma quadra de futebol, lá no alto do morro.
O estranho - e, de certa forma, assustador -, é que essas situações não me dão medo. Como não sou o alvo, sinto uma curiosidade, uma atração hipnótica. E assim fiquei de olhos grudados na cena. Mas logo o ônibus afastou-se e não pude mais ver o que acontecia. Graças aos céus, ninguém atirou de volta, pois a possibilidade de levar um balaço era grande. Mais à frente, algumas pessoas observavam protegidas dentro de uma garagem de oficina.
O pior é que esta não é uma cena fora do comum por aqui. Todos os dias, e digo TODOS, sem exceção, escuto tiros daqui de casa. À noite, principalmente, mas de tarde também são comuns. já vi um carro metralhado poucos minutos antes de eu cruzar a esquina da Rua do Bispo com Haddock Lobo. Na Itapiru, várias casas ostentam placas de "vende-se".
Quando vim para cá, ouvia os pipocos e me assustava. Ia para a janela procurar de onde partiam. Vi algumas vezes balas traçantes cruzando o céu. Hoje o sobressalto é menor, mas não consigo me acostumar. Não quero me acostumar. Se achar isso normal, tenho a impressão de que perderei parte do que me caracteriza como humano. Terei caminhado um pouco mais para o estágio de besta.
E essa é uma experiência que dispenso.