a tati (piv, para os íntimos) fez um comentário
ao bostejo anterior que reproduzia um texto do hobbes, autor do leviatã, que faço questão de comentar. mas primeiro, a citação:
"Durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens."
bão, o negócio é mais ou menos assim (perdoe-me os historiadores que porventura passarem aqui. meu conhecimento na matéria é absolutamente enciclopêidico): no texto, o hobbes fazia a defesa do estado moderno. é que, depois do domínio da igreja católica durante a idade média, os monarcas absolutos "organizaram" as pessoas ao seu redor sob uma mesma língua, moeda, em um território comum, dando-lhes o nome de "povo". mas gente não é gado para deixar-se levar de um lado para o outro, e até alcançar essa coesão, o rei precisou acabar na marra com as resistências. e para instituir seu poder, precisou de um exército que amedrontasse e punisse os possíveis descontentes. assim, todo o estado moderno se cria sobre a violência e a supressão de grupos menores, em nome de uma "maioria", submetida ao poder por medo ou inércia (procurem o maravilhoso "discurso da servidão voluntária", do etienne de la boétie).
submetendo-se à máquina de violência real, e através de um "contrato social" (responsável pelos princípios regentes da vida em sociedade), as pessoas passam a delegar a terceiros (o rei e a máquina estatal) o poder de decisão sobre suas vontades. é mais ou menos assim, amiguinhos, que eu, você, eles, deixamos um pouco do nosso tesão de vida, para tornarmos algo próximo de legumes sociais, medrosos da lei e dos que não a respeitam, satisfeitos por nos alimentarem com migalhas de entretenimento vez por outra. e assim vamos levando a vida, como laranjas mecânicas (salve, burgess!), apenas esperando a hora de ser colhidos, enquantoacreditamos que somos livres ou que temos vontade própria.
mas, voltando à vaca fria, hobbes defende acima o estado moderno. o estado, para ele, é quem permite a harmonia entre os homens, quem instaura a paz e cessa o estado atávico humano, que é a "guerra de todos contra todos". ora, essa "guerra" era a definição do horror que a multidão, ou a ausência de governo, causavam à nobreza, e mais tarde, à burguesia. a multidão é a multiplicidade das vontades. e como todos sabem, quando todos falam ao mesmo tempo, duas coisas podem acontecer: ou faz-se um ruído abominável, ou se consegue, em algum momento, uma voz em uníssono. mas não há poder, e sim alianças precárias. a multidão é o terror do poder, é chamando-a de "caos" que os poderosos assustam os incautos. o caos é a ausência de ordem, é o processo de tentativa e erro que leva à criação de novidade e ao equilíbrio. não é à toa que os físicos mais eminentes estão voltados para o estudo das "teorias do caos".
a instituição das tecnologias de informação, com os dispositivos de comunicação remota (celular, pager, laptop, palm etc.), possibilitaram a conexão de pessoas e grupos de descontentes ao redor do mundo. é sobre essa essência que se constróem os movimentos erradamente denominados "anti-globalização" - na verdade, muito mais "anti-capitalistas" e "anti-poder". eles constituem uma "multidão inteligente" (vide smart mobs, do rheingold), que consegue estabelecer resistência ao estado sem liderança. da mesma forma organizam-se redes terroristas, e de traficantes (daí a burrice suprema de se chamar o tráfico no rio de "poder paralelo". eles não são poder, não querem o poder. eles são uma rede. tem sua hierarquia, mas não dialogam com o estado nos mesmos termos. o que poucos perceberam é que não é uma luta entre iguais, e sim, assimétrica. o tráfico funciona sob a mesma lógica do capital que as grandes corporações. no pain, no gain. manter as aparências de "contrato social" e "sociedade de bem-estar" é atribuição do estado. ao capital isso não diz nada. ele funciona em outra esfera).
caceta dourada! falei às pampas. se antes poucos liam, agora então...não sei se fez sentido algum, mas foi bom. se escrevi alguma asneira brutal, depois corrijo. hoje é dia das mães e tenho que ver a minha.