28 agosto 2004

pílulas barretianas

afonso henriques de lima barreto. nome de rei ou nobre. na verdade, mulato, pobre, alcoólatra e um dos maiores escritores nacionais. com certeza o mais carioca deles, ao lado de joão do rio.

sua condição marginal lhe conferia uma visão aguda da natureza humana e da sociedade; quase sempre implacável quando o assunto era seu próprio papel nela.

há muito tempo li o "cemitério dos vivos", amargo diário sobre sua derradeira estadia no sanatório da praia vermelha, atualmente, campus da ufrj. é lá que fica, entre outras, a escola de comunicação da ufrj, onde concluí o mestrado (pode-se dizer que há pontos de contato entre o passado e o presente, mas isso é outra história...). hoje, fazendo uma mega-limpeza no computa, achei uns trechos do livro, que faço questão de reproduzir. depois me digam se o sujeito não era um azougue.

"Eu não tenho nenhuma espécie de superstição pelos nossos títulos escolares ou universitários; eles dão algumas vezes algum saber profissional, muito restrito e ronceiro, e nunca uma verdadeira cultura (...)"

"Esta nossa sociedade é absolutamente idiota. Nunca se viu tanta falta de gosto. Nunca se viu tanta atonia, tanta falta de iniciativa e autonomia intelectual! É um rebanho de Panúrgio, que só quer ver o doutor em tudo, e isso cada vez mais se justifica, quanto mais os doutores se desmoralizam pela sua ignorância e voracidade de empregos. Quem quiser lutar aqui e tiver de fato um ideal qualquer superior, há de por força cair. Não encontra quem o siga, não encontra quem o apoie. Pobre, há de cair pela sua própria pobreza; rico, há de cair pelo desânimo e pelo desdém por esta Bruzundanga. Nos grandes países de grandes invenções, de grandes descobertas, de teorias ousadas, não se vê nosso fetichismo pelo título universitário que aqui se transformou
em título nobiliárquico. É o Don espanhol."


" (...) embora a glória me tenha dado beijos furtivos, eu sinto que a vida não tem mais sabor para mim. Não quero, entretanto, morrer; queria outra vida, queria esquecer a que vivi, mesmo talvez com perda de certas boas qualidades que tenho, mas queria que ela fosse plácida, serena, medíocre e pacífica, como a de todos."