06 abril 2008

domingueira

o prédio onde moro é constituído por apartamentos de dois tipos. os como o meu são chamados de quarto-e-sala. os outros, que tem um único cômodo, não sei como chamam, mas desconfio que uma lata de sardinhas deva ser mais confortável.

para mim, que vivo só (física, espiritual e sentimentalmente), o tamanho não é problema (o do apartamento, o meu já é outra conversa). mas há famílias inteiras que se amontoam nesses espaços exíguos. normalmente o pessoal se comporta e a vida em comum é tranqüila. quer dizer, suponho que seja, porque passo pouco tempo em casa.

mas aí chega o domingo. chove, e na noite anterior, como na outra, você esteve com umas companhias muito interessantes, de bom papo, e que gostavam de tomar umas cervejas. e o estoque de bebes era tão generoso, e o entendimento tão grande, que as conversas vararam a noite, até dia claro.

resumindo, você preferiu ficar em casa. quer dizer, preferi (por que eu estava falando na terceira do singular?). aí é aquela preguiça de domingo. uma musiquinha, um chazinho com bolachas, uma jarrinha de café para recuperar a energia, mas quem disse que tive direito ao sagrado sono da tarde?

os rebentos dos vizinhos, trancafiados no dia chuvoso, deviam estar subindo pelas paredes. pelo menos eram o que os berros deixavam transparecer. os pais, muito preparados, respondiam na mesma altura. e os cachorros, tão contrariados quanto eu, opinavam com seus latidos agudos.

deitado na cama, a cabeça escondida sob o travesseiro, entortava entredentes as palavras do poetinha:
"começo a achar herodes natural".