23 fevereiro 2007

sabedoria yakissoba

"O amor por uma pessoa deve incluir as goteiras de seu telhado".

frase de biscoito da sorte de um amigo do trabalho.

22 fevereiro 2007

neruda que me perdoe, mas vinicius é fundamental

há poucos dias comprei o dvd do filme o carteiro e o poeta, ficção sobre a amizade entre pablo neruda e o carteiro da vila italiana em que o poeta viveu durante seu período de exílio.

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há séculos atrás, uma namorada argentina me presenteou com uma antologia bilingüe do poeta. na folha de rosto, uma dedicatória com sua caligrafia que até hoje tenho dificuldade de entender: para leer juntos. ou algo assim. noves fora minha empolgação com a nova língua e o romance estrangeiro, as metáforas nerudianas (existe isso?) quase sempre me desciam quadradas. correndo o risco de parecer repetitivo pela mesma desculpa, lembro que meus livros permanecem encaixotados, portanto não posso reproduzi-las. paciência.

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os extras do dvd trazem um documentário apresentado pela jennifer beals -- que depois do flashdance teve como atuação digna de nota um beijo na boca da elizabeth berkley em roger dodger (esse, sim, um filme de que gosto muito). enfim, o tal documentário é sobre o making of do "carteiro..." e a obra do neruda. tirando as referências ao massimo troisi (esse, sim, um ator de que gosto muito), tudo é meio sonolento. o que me chamou a atenção foi que, por conta do filme, vários atores foram reunidos para gravar um cd com declamações das poesias do "leão-marinho". curioso foi ouvir um produtor contar que, além de nunca ter ouvido falar em neruda, ter recorrido à julia roberts para se informar -- segundo ele "a pessoa mais culta que conhece". paciência.

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essa ignorância me incomodou, porque o fenômeno dessa súbita paixão da intelligentsia roliudiana me pareceu um buena vista social club da poesia. todos repentinamente incensando um escritor "alienígena", adepto de uma filosofia "alienígena" (neruda era comunista). se esse povo tivesse ouvido falar de um poeta puro-sangue que nem o vinicius de moraes, teria vergonha de ficar endeusando o chileno (quase escrevo "pangaré", mas achei que o termo soaria forte demais). são as desvantagens de se falar português em um continente espanhol. paciência.

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no fim das contas, meu romance durou pouco mais de um ano, e também me desceu quadrado. paciência.

20 fevereiro 2007

o conselho mais antigo do mundo

há pouco tempo li a epopéia de gilgamesh, considerada uma das histórias mais antigas de que se tem notícia, e certamente, a primeira tragédia escrita.

de toda a história, gostei muito de um trecho da tábua 10, quando gilgamesh, o rei de uruk, em sua busca pela vida eterna, encontra-se com a deusa-estalajadeira (?) siduri sabitu, de quem recebe uma sábia e atualíssima lição.

como o livro ainda está encaixotado, não pude copiar o trecho em português. vai em inglês, mesmo, até segunda ordem.

"Gilgamesh, where are you hurrying to? You will never find that life for which you are looking. When the gods created man they allotted to him death, but life they retained in their own keeping. As for you, Gilgamesh, fill your belly with good things; day and night, night and day, dance and be merry, feast and rejoice. Let your clothes be fresh, bathe yourself in water, cherish the little child that holds your hand, and make your wife happy in your embrace; for this too is the lot of man."

19 fevereiro 2007

balanço de quase cinco meses

segunda-feira de carnaval. pausa na folia. pode ser que, mais tarde, eu saia no "alegria só abunda", na rua do lavradio. só um telefonema confirmará. preguiça. lá fora faz sol, mas aqui dentro o ar-condicionado cria uma espécie de cápsula climatizada, separada do resto do mundo. tirando o batucar das teclas e o ronronar do motor, não há barulho. foi por aí que comecei a refletir.

os quase últimos cinco meses foram um turbilhão, que na verdade iniciou-se dois meses antes, mas foi só depois que a casca rompeu, dando vida à mudança.

emprego diferente, casa diferente, corpo diferente, até algumas idéias diferentes. e compromissos. muitos. a descoberta das decisões solitárias, das alegrias solitárias, das tristezas solitárias. e eu mesmo como único interlocutor do diálogo interno e externo. the sound of silence. hello darkness, my old friend, i've come to talk with you again. minha mestra de hoje e sempre. se a vida te der um limão, atire de volta na cabeça dela, já dizia confúcio. e se não disse, deveria tê-lo feito.

muitas alegrias e algumas tristezas. uns poucos enganos e decepções. fúrias etílicas esparsas no horizonte. energia concentrada? cada vez mais a constatação de que palavras são mais perigosas do que facas.

muita leitura. a redescoberta em português da arte de consertar motocicletas. a intoxicação cada vez mais profunda de vonnegut. aliás, um dos títulos é "solitário nunca mais". ai ô.

pazes feitas com o cinema. "a fonte da vida" me despertou para a constatação de que não existe realidade além do amor no tempo presente. fora isso, só a morte, segundo confirmou gilgamesh. por isso o imperativo de apascentar o boi, manter-se concentrado na respiração, mas alerta e preparado para quando for chegada a hora.

cansei de escrever. depois eu continuo. coisas da vida.

16 fevereiro 2007

meu telefone não é pinico

ouvi no rádio hoje de manhã que uma senhora em são paulo morreu de infarto por causa de um falso sequestro por telefone. ao ouvir a suposta voz de seu filho, ela entrou em pânico, o coração disparou, não agüentou o tranco, e minutos depois ela estava morta.

minha mãe recentemente foi vítima do mesmo golpe. numa noite de domingo, ela atende uma ligação e imediatamente escuta uma voz de homem gritando "mãe, socorro, me pegaram, eles querem dinheiro etc". desligou na hora, porque eu estava lá. mesmo assim, ela disse que a adrenalina foi a mil.

o engraçado foi a reação de uma tia, mãe de uma moça, quando lhe tentaram aplicar o mesmo golpe. a mulher que falava no telefone (qual será a porcentagem de acertos de sexo dos filhos?), disse:

- mãe, socorro! eles me seqüestraram e vão me matar! me trazeram aqui pra favela!

minha tia disse simplesmente "ah, te 'trazeram', é? eles que te matem, então." e desligou.

parece ser fácil falar de fora, mas é por essas e outras que tento manter o humor. sempre.

13 fevereiro 2007

não estou me guardando pra quando o carnaval chegar

acho que o ápice do meu carnaval foi domingo. sem bloco, batucada, nem uma mísera serpentina. explico: graças às obras em casa e, principalmente, à descoberta dos erros da obra, eu andava tão atarantado que não havia muito espaço vago na cabeça para folia. portanto, não fazia idéia do calendário dos blocos de rua.

sábado dormi na gávea, e quando saí para almoçar na casa de uma amiga em botafogo, vi a rua jardim botânico interditada por uma horda de foliões. algum bloco desfilava, embora muitas pessoas já estivessem na dispersão. a única maneira de chegar ao meu objetivo, portanto, seria caminhando até a real grandeza. liguei avisando que me atrasaria e tentei cortar caminho através da ruazinha no fim da major rubens vaz, que passa por dentro do jardim botânico. mas o portão estava fechado e o acesso, restrito aos moradores, segundo me informaram os seguranças.

no instante que volto à via principal, desaba um dilúvio capaz de afundar a arca de noé. instala-se uma confusão dos diabos: moleques de dois metros de altura, sem camisa, saltam e urram, meninas dão gritinhos enquanto suas roupas colam ao corpo. uma espécie de eletricidade toma conta do ar. estão todos alegres. eu estou alegre. há poucas coisas me elevam a esse nível de contentamento.

desde que me entendo por gente, tomar banho de chuva é um dos meus programas preferidos. infelizmente, à medida que envelheço, diminuem as ocasiões em que posso desfrutar esse prazer sem parecer maluco. daí que me invade uma sensação de plenitude, uma felicidade de estar irmanado com a massa que finge correr da chuva. todos viram crianças, perdem as inibições, mas mesmo a picardia tem um sabor infantil. um camarada grita: “já to de pinto lavado!”. um grupo canta “banho de lua”, e na altura da pacheco leão, um camarada atira-se na sarjeta cheia e começa a nadar crawl. penso na definição de "homem cordial", e me pergunto se um povo que fica tão alegre na/por causa da chuva é capaz de fazer uma revolução. herança indígena, talvez? nenhum juízo de valor, apenas uma constatação.

era um caos harmônico, a chuva lavando a escória, numa catarse pela semana de merda que a cidade viveu com o pobre do menino arrastado pelas ruas, o medo transformando cidadãos de bem em carrascos. um momento em que as pessoas comuns puderam ser totalmente donas de seu destino, das ruas, subvertendo a ordem de forma pacífica, até se permitindo abrir espaço para a passagem de uma joaninha e uma viatura do corpo de bombeiros.

na altura do jóia, o fedor do esgoto transbordante me agrediu as narinas, mas do outro lado da rua, as pessoas cantavam, abrigadas, “se essa porra não virar, olê, olé, olá...”. cinco camaradas carregavam um outro que, semi-desfalecido, pedia mais um gole. na eurico cruz, fui obrigado a correr pelo meio da rua para fugir do rio de barro que descia a rua e inundava as calçadas.

cheguei em botafogo completamente ensopado. tive que vestir uma calça de lycra que me deixou parecendo um bailarino em fim de carreira. o livro que carregava no bolso, comprado num sebo já meio esfrangalhado, estava soltando pedaços da capa e das bordas das páginas. no outro bolso, as embalagens de papelão dos cd-r e dvd-r que eu levava estavam se desfazendo. comi um pato no tucupi delicioso, capaz de levantar um defunto. bebi cerveja e entabulei ótimos papos. depois fui para casa e dormi, pensando se um satori não terá alguma vaga semelhança com o meu dia.

só no dia seguinte descobri que o bloco que não vi era o suvaco do cristo. deve haver um simbolismo místico mais profundo que me escapa. se não fizer mais nada nos quatro dias de festa, já terei mais que brincado meu carnaval.

tentativa de bostejo no trabalho

"Eppur si muove!"

xi, rapaz, isso não vai prestar...

08 fevereiro 2007

blog's not dead (eu é que continuo sem internet)

conhecia a música, mas nunca tinha prestado atenção à letra.
não fosse essa fase buarqueana, não teria percebido a profundidade, a beleza, a propriedade.

entender é parede.

Sabiá - Tom Jobim e Chico Buarque

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá