14 outubro 2008

já comi, já bebi...

foi tudo muito gostosinho às pampas, mas depois de cinco anos, dois meses e um dia, 818 posts mais esse, cansei.

cansei da cara disso aqui, do endereço e do servidor.

para a infelicidade geral, não cansei das bordunadas.

elas continuam, em casa nova. veremos se muda algo.

até lá.

26 setembro 2008

poesia pra ela

trecho de cobra norato, do raul bopp.

XXXII

- E agora, compadre
vou de volta pro Sem-fim

Vou de lá para as terras altas
onde a serra se amontoa
onde correm os rios de águas claras
entre moitas de molungu

Quero levar minha noiva
Quero estarzinho com ela
numa casa de morar
com porta azul piquininha
pintada a lápis de cor

Quero sentir a quentura
do seu corpo de vaivém
Querzinho de estar junto
quando a gente quer bem bem

Ficar à sombra do mato
ouvir a jurucutu
águas que passam cantando
pra gente se espreguiçar

E quando estivermos à espera
que a noite volte outra vez
hei de le contar histórias
escrever nomes na areia
pro vento brincar de apagar

18 setembro 2008

enquanto seu lobo não vem...

como a vida anda acelerada e a agenda, cheia, vou bostejando uns troços legais que cato pela aí, só para não deixar o espaço morrer de vez.

o texto a seguir é a transcrição da coluna do max geringher (mundo corporativo) na rádio cbn, do dia 26 de fevereiro. fez muito sucesso entre os colegas do "selviço".

Nomenclatura de cargos é semelhante em todas as empresas

Os nomes podem variar um pouco, mas de modo geral a nomenclatura dos cargos é bastante semelhante em todas as empresas. Aqui vão os títulos e as respectivas definições:

PRESIDENTE – é o inquilino temporário da cobertura do organograma, com direito a banheiro privativo. É o mesmo que CEO, só que sem sotaque.

DIRETOR E VICE-PRESIDENTE – no fundo, é a mesma coisa. A diferença está no jeito de falar. Enquanto o diretor fala: “Isso aqui está uma bagunça total!”, um vice-presidente diria: “A presente situação requer uma imediata implementação de uma governança corporativa”.

GERENTE – um profissional graduado que ainda não entendeu o que a diretoria espera dele. Quando ele fala em futuro, é acusado de ser pouco operacional. Quando bota a mão na massa, é criticado por não ter visão estratégica.

MANAGER – o mesmo que gerente, só que tem password em vez de senha.

SUPERVISOR – na visão da alta cúpula, é alguém cuja opinião deve: a) ser constantemente solicitada; b) ser imediatamente descartada.

FUNCIONÁRIO – é um indivíduo que ocupa uma função hierárquica semelhante a de uma infinidade de outros indivíduos. Mas, mesmo escondido nesse aparente anonimato, é o profissional mais mencionado nas conversas dos altos escalões. P.ex.: “o funcionário não sabe valorizar o que fazemos por ele”.

ESTAGIÁRIO – é um jovem que se saiu bem em uma infinidade de testes, nos quais foi medida a sua capacidade para se sair bem em uma infinidade de testes.

Se isso tudo pareceu confuso, vamos ao chamado “Organograma Simplificado”:

SUPERIOR HIERÁRQUICO – é o que conta uma piada sem graça;
SUBORDINADO CONSICENTE – é o que ri;
SUBORDINADO ALTAMENTE POTENCIAL – é o que pede para ele contar outra.

mantra contra urucubaca


Discover Aterciopelados!

ouça aqui.

Luz azul - Aterciopelados

Si le cae la roya,
Si lo deja la novia,
Si se lo traga, si se lo traga la tierra.
Si se quedo sin gasolina,
Si lo atracaron en la esquina,
Si le clavaron hondo en el alma una espina,

Ay, si se pone peluda la cosa
Recuerde, la vida es color de rosa.
El cielo es azul,
El espacio esta lleno de luz.

Si esta sobregirado,
Si lo han amenazado,
Si la enfermedad lo tiene desdibujado.
Si el pelo le ha tomado,
Si su rectitud han doblado,
Si con la copa rota, la boca le ha sangrado

Ay si se pone peluda la cosa
Recuerde, la vida es color de rosa, es color de rosa
Y el cielo es azul,
El espacio esta lleno de luz.

Deje que la emocion de la musica penetre
Lo disonante, que le resbale.

Y el cielo es azul
El espacio esta lleno de luz (bis)

Ay, si se pone peluda la cosa
Recuerde, la vida es color de rosa
La novia, a lo bien,
No lo convenia,
Lo que es bien.

El cielo es azul
El espacio esta lleno de luz,
Lleno de luz

10 setembro 2008

casar na melhor idade

recebo um imeio da maffalda chamando para uma comemoração de um ano de sua volta aos braços da cidade. ela engrossa o convite com a desculpa de celebrar o casamento de sua babá, aos 77 anos!

achei a idéia do casamento nessa idade tão sensacional que estou seriamente inclinado a segui-la. vejam:

- nessa idade, você é imediatamente apresentado a todas as manias, achaques e esquisitices do seu cônjuge;

- as brigas serão raríssimas, já que é provável que os dois estejam com a audição bastante debilitada. se já não estiverem completamente surdos;

- em vez de os filhos serem uma preocupação futura, o futuro de vocês é que será uma preocupação para os filhos;

- como são remotas as chances de se chegar até a crise dos sete anos com lucidez, atingi-la será uma vitória, e que dirá ultrapassá-la;

e por aí vai. acrescentaria outros proveitos, mas talvez traísse a boa educação recebida dos meus pais. apelo, portanto, à imaginação(?) dos leitores(?).
********

daqui a três dias faz um mês de atraso do aniversário de cinco anos do borduna!

ia aproveitar a ocasião para também comemorar o centésimo bostejo do ano. cheguei a pensar nums troços bacanas pra escrever, com frases e trechos retirados de leituras recentes.

tem razão o amigo babelikós quando diz que ando muito ocupado vivendo. por esse motivo acabei adiando a escrita até o trágico passaralho metafísico da semana passada, que nos arrebatou de uma vez o fausto wolff, fernando barbosa lima, fernando torres e waldick soriano. e nós, emburrencendo...

pensei em homenagear pelo menos "o lobo", mas não tava disposto a remexer em assunto relativo à magrela de preto, que andou rondando perto demais ultimamente. aí, a história do casamento da babá veio bem a calhar.

e antes que me esqueça, parabéns por perder tempo aqui. meu ego agradece.

27 agosto 2008

só dói quando eu rio de janeiro

você passa na rua e vê um autidór com aquela atriz da tevê bonitona, de peito estufado. quando vai reparar melhor no belo trabalho de deus, vê que ela anuncia uma campanha de vacinação contra rubéola. teus colegas de repartição explicam o caso e dizem que você está na faixa etária correspondente.

você encontra na internet um sáite todo bonitinho, mas os únicos postos de saúde indicados na sua cidade estão no subúrbio, em favelas ou dentro de presídios (!) e "casas de custódia". teu passado -- e parte do presente, é verdade -- te condena, mas por nada que chegue ao ponto de te fazer hóspede de instalações dessa natureza.

o sáite exibe um 0800 do ministério da saúde para informações. uma atendente educadíssima e com voz de veludo pergunta o estado de onde fala, indica dois números da secretaria estadual de saúde, e pede permissão para realizar um breve questionário, a título de pesquisa: idade, estado civil, e como chegou a esse número. deseja mais alguma coisa? obrigado por ligar.

você desliga achando que o país, afinal, está indo pra frente, que o governo está realmente tentando cuidar dos cidadãos, que a saúde pública talvez tenha solução.

aí você disca os telefones da secretaria estadual, um de cada vez pra não embolar. jacaré conseguiu? nem você. os números estão constantemente ocupados, provavelmente fora do gancho, para não atrapalhar a lixada de unhas da atendente. assim caminha o rio de janeiro.

dez minutos e quinze tentativas depois, fui atendido, o que invalida o pequeno trecho acima. na verdade, a impaciência em ver respondida minha pergunta misturou-se à vontade de falar mal do governo do estado, o que em tempos de serginho cabral, sempre vem a contento.

26 agosto 2008

arrentina (parte 2)

gerundismos à parte, costumo dizer que gosto de "estar viajando", em oposição a "ir viajar". trocando em miúdos, isso quer dizer que detesto arrumações & preparativos de viagem (malas, reservas, etc.), mas adoro estar fora da minha zona de conforto cotidiana, experimentando lugares e situações diferentes.

na argentina não foi diferente, fiz várias descobertas interessantes:

- achei que sentiria mais fome no frio, suposição que não se confirmou;

- entendi na carne o significado da expressão "frio de doer", ao tomar o primeiro banho frio com a temperatura abaixo de 9oC;

- porque ele reina absoluto sobre a paisagem, o pôr-do-sol do pampa é o mais lindo que já vi;

- aliás, o pampa, como bem dizia minha anfitriã, é uma vertigem horizontal. no campo, salvo por uma ondulação no terreno, você consegue facilmente enxergar todo seu entorno num raio de cinco quilômteros;

- os homens lá se beijam no rosto. fui a um jantar em que um cara chegou atrasado e foi mecanicamente estalando a bochecha de todo mundo, inclusive a desse que vos escreve. e o sacana ainda estava com a barba por fazer, o que tornou a coisa toda muito mais desagradável. até beijo alguns parentes e amigos mais chegados, mas acho que, como na música do gil, ainda vou demorar muito tempo até aprender a beijar outros homens como beijo meu pai;

- no geral, bem geral, achei a alimentação do argentino médio muito pobre: basicamente carne (muito boa, faça-se justiça) e batata. senti falta de mais hortaliças e frutas;

- chimarrão (que eles chamam de mate) é a bebida socialista por excelência. todo mundo bebe na mesma bomba, democraticamente. achei a erva "picotada" de lá é melhor que a "moída" daqui;

- o hábito de passar horas em cafés lendo e bebericando devia ser previsto na declaração universal dos direitos dos homens, na convenção de genebra, ou coisa que o valha...

- o espanhol é uma língua muito mais objetiva e incisiva que o português. o pessoal lá não é muito dado a circunlóquios e diminutivos;

- eu teria sido um adolescente felicíssimo em buenos aires: lá é possível vestir, sem dramas térmicos, todo e qualquer figurino americanizado que se vê nos comercias e seriados de televisão da moda: casacões de pele ou nylon para rappers, blazers sobre moletons com capuz para os descolados urbanos, longos sobretudos negros para góticos e soturnos em geral; casacos de couro para punks e roqueiros, minissaias com meias-calças de todas as cores imagináveis para as alternativas, além de outras coisas que não reparei;

- depois de 15 dias, não agüentava mais escutar e (tentar) falar espanhol. até ouvir a conversa alheia me irritava. no fim da viagem já buscava me comunicar por gestos;

- e finalmente, a tal convergência digital é uma falácia. as mídias podem até atingir um padrão comum, mas os fabricantes continuam querendo ser "autorais". minha bagagem ficou atulhada com cinco tipos de fios diferentes para o celular, a câmera e o ipobre.

17 agosto 2008

topas as tropas?

no governo, a mesma intimidade que com a bola

o tribunal superior eleitoral aprovou na última quinta-feira o uso das tropas federais para garantir a segurança do processo eleitoral no rio. da maneira como vem sendo noticiado, a impressão é a de que elas não vêm para garantir a isenção dos eleitores nas áreas carentes, onde os traficantes de drogas, parece, estão até exigindo foto dos votos nos candidatos de sua preferência.

as forças armadas vão é fazer a segurança dos candidatos na entrada em favelas e comunidades, onde eles continuarão fazendo seu joguinho demagógico de comício-churrasco-aperta-mão-e-tchau. e depois da eleição, tudo continua na mesma, a população oprimida e mal-paga.

se nos últimos 30 anos os políticos eleitos olhassem para as favelas um pouquinho que fosse, a escala de violência no rio e na baixada não chegaria ao ponto em que chegou. eles estão simplesmente colhendo o que plantaram. refiro-me ao rio, mas o mesmo vale para as outras grandes capitais.

curiosamente, os candidatos da direita foram os que aprovaram as tropas. eduardo paes -- aposta do governador sérgio cabral para o comando da cidade -- chega inclusive a expressar o desejo que elas ficassem no rio "para sempre", delegando a terceiros o trabalho que seria da responsabilidade de seu aliado.

ao sugerir medidas que contemplem apenas a repressão, duda mostra o mesmo despreparo do colega serginho, preferindo atacar as consequências em vez das causas. como o cara da piada que pega sua mulher com o amigo no sofá da sala e para resolver o problema, vende o sofá.
********

aliás, ao criticar o general comandante militar do leste de "falta de pró-atividade", o filho do sérgio cabral dá outra demonstração de arrogância, imaturidade e desconhecimento da hierarquia militar. ou então é tudo jogo de cena, o que também não o isenta em nada. a nós cabe o papel de bobo.

14 agosto 2008

provérbio zen-corporativo

"não pense que ontem foi quarta-feira, e sim, que amanhã será sexta."

13 agosto 2008

nua e crua

todos os dias quando acordo, agradeço a deus pela internet.

dentre todas as facilidades que ela proporciona, está o acesso gratuito de qualquer mortal às fotos da playboy. não que meu interesse pela revista continue o mesmo da adolescência, quando sua "leitura" equivalia à de um catálogo da rolls-royce, exibindo produtos aos quais eu jamais teria acesso nessa encarnação.

continuo sem poder comprar um rolls-royce, e noves fora a pequena fortuna que deixei de gastar com cinema, discos e gibis para ver sem roupa atrizes-modelos-manequins de papel, hoje me sinto vingado ao receber imeios de amigos com as fotos. isso tudo pra dizer que já tinha visto o ensaio da carolzuda castro pela rede.

os produtores da revista inventaram essa história de ensaios temáticos e "nu artístico" para desviar a atenção das atrizes de que estão fazendo fotos de mulher pelada. parece um cartum do arnaldo branco em que uma mulher, em pose pra lá de escancarada, pergunta ao fotógrafo se não ficará vulgar, ao que ele responde: "que nada, a moda agora é o cu artístico". volto a divagar.

o ensaio da carol teve por "tema" o universo de jorge amado, na bahia etc. numa das fotos ela está collant (é assim?) rendado meio transparente, segurando um terço que lhe desce ao lado de um seio desnudo. pensei "só falta agora a igreja católica reclamar..."

pois não foi justo o que aconteceu? no extra, o padre secretário de comunicação da arquidiocese daquela estranha cidade ao sul do brasil, declara que usar um objeto de devoção, nesse contexto, é um desrespeito não só com a igreja, mas com a população, e por aí vai.

aí me pergunto como a igreja católica, vetusta senhora de mais de mil anos, se deixou enredar numa polêmica boba, que só vai alimentar a venda da revista?

ademais, por que raios um padre estava vendo a playboy?

máscara de truta

tudo bem. comecei a estudar pandeiro (podem rir), e o professor falou que tinha ouvir muito chorinho. de preferência a música, até porque homem não chora, criança desafina muito, e mulher quando chora geralmente quer alguma coisa.

aí fui nas minhas eternas gavetas provisórias de cd procurar os jacobs, pizindins, zés da velha, águas de moringa, maoganis e que tais, para desenferrujar os ouvidos.

justo na mesma época tive uma recaída de rolling stones, e ainda estou tentando equilibrar os dois. para piorar, ainda ando obcecado por um certo disco do captain beefheart, que também poderia ser errado, tamanha a confusão sonora, chamado trout mask replica, e produzido por quem? por quem? frank zappa! ó a capa aí embaixo.


é de longe e de perto a coisa mais escalafobética que já ouvi. tentem imaginar um disco inteiro onde, em todas as músicas, cada instrumento parece ir para um lado, fazendo o que lhe der na veneta. demora pra engatar no gosto, mas quando pega, vai macio. discão! agora sente o drama (frownland):



achei também um texto bem bacana do matt groening, dos simpsons, sobre o álbum.

12 agosto 2008

eleição carioca

corroborando o bostejo anterior sobre o espírito dos naturais da cidade de só-dói-quando-eu-rio-de-janeiro, o amigo lessa me aparece com o seguinte santinho:
para quem não lembra, esse camarada é aquele que construiu uma casa flutuante no fétido canal do cunha, à beira da linha vermelha, antes da ilha do governador.

não sei se é apenas um deboche com o gabeira, ou se a candidatura é pra valer. e ser for, se emplacará como a do macaco tião, mas diante do nível dos pleiteantes, tá valendo.

Carioca da gema

o que sei de joão antônio ferreira filho é que ele era paulista e jornalista e morava de frente pra praça serzedelo correia, em copacabana. achei mais coisa sobre ele aqui. mas antes já tinha achado a reedição da cosac & naify de Ô, Copacabana! (1978), relato apaixonado sobre o bairro que o adotou, e agora a mim.

neófito que sou, vejo copa um pouco como ele a canta: "(...) Enxovalhada, roída, todos os defeitos gritam, dão desgosto. E estamos bem enfarados dela, chega que dói, desancada a relar em ter sido a mulher de quem já se gostou. (...) É a infeliz, a que foi, calada. Lá no fundo dos olhos, morteiros hoje, de cadela mansa, onde o tempo se esconde, ela ainda atiça, volta e meia, depois da espreita, matreiro, debochado, raro, um brilho, aquele que espeta, chamado dos dezoito anos."

Carioca da gema

Carioca, carioca da gema, seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se sentar no meio-fio e chorar diante de uma tragédia.

O resto é carimbo.

Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, meu tio-avô Rubens, mulherengo de tope, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, impertigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, a me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas no meu tempo de menino.

Folgado, finório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, superficial festivo até as vísceras. Adjetivação vazia... É só idéia genérica, balela, não passa de carimbo.

Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. É onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o Carnaval.

O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada - de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fica mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas, e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadorase universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fina, modo atilado de se driblarem os percalços.

Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apanhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:

"Está ruim pra alandro" - o advérbio até está oculto.
"Quem tem olho grande não entra na China".
"A galinha come é com o bico no chão."
"Tudo de mais é veneno."
"Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte."
"Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela."
"Não leve uma raposa a um galinheiro."
"Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro."
"Há duas coisas em que não se pode confiar. quando alguém diz 'deixe comigo' ou 'esse cachorro não morde'."
"Amigo, ebendo cachaça, não faço barulho de uísque."
"Da fruta que você gosta eu como até o caroço."
"A vida é do contra: você vai e ela fica."

Como filosofia de vida ou não, vivendo em uma cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convivendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem ninguém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros.

11 agosto 2008

arrentina (parte 1)

no ônibus de volta do trabalho pra casa, distraí-me do livro e pela janela dei com a paisagem do aterro, impressionante mesmo quando a escuridão da noite só permite ver a constelação de luzes dos apartamentos de um lado, e do outro, o negrume da baía de guanabara.

depois de uma eternidade de duas semanas de pampa e buenos aires, a volta reafirma a certeza: os nascidos entre mar e montanha, cujo sono infantil foi embalado pela zoada veraneia de cigarras e cornetas do maracanã; cuja memória foi tatuada pelas charretes de bode da praça xavier de brito, pelas múmias e esqueletos de dinossauros do museu da quinta; cujas narinas foram impregnadas de maresia e mata atlântica; estes não podem se ausentar por muito tempo de seu torrão sem sentir uma fraqueza na alma.
********

feito o registro, à viagem: na ida, depois dos costumeiros avisos de apertar o cinto e não fumar, somos informados que, segundo as leis de controle sanitário da argentina, a aeronave será borrifada com inseticida. antes que pudesse entender a piada, a aeromoça sai da cabine com uma lata de spray soltando fumaça pra cima, vai à traseira e volta, primeiro o lado esquerdo, depois o direito.

ri meio de incredulidade, meio de deboche. será que os argentinos acham realmente que uma borrifada safada dessas vai matar qualquer uma das pragas terríveis que portávamos? e quais seriam elas? talvez eles achassem que eu levava uma família de aedes aegypti clandestinos no forro do casaco, ou uma horda de piolhos de cobra mocozados na cabeleira. tive vontade de ter um saquinho de vibriões. porque colérico eu já estava.
********

para um brasileiro entrar na argentina basta a carteira de identididade. mas quando você passa pela imigração, deve entregar um papelzinho que te deram antes de embarcar, preenchido com seus dados, o lugar em que vai ficar e por quanto tempo. essas duas últimas informações podem ser de mentirinha, que ninguém checa.

eles te devolvem uma metade carimbada, cuja única função, além de ser perdida, é ser apresentada na saída, provando assim que você entrou no país. talvez os argentinos tenham lido muito borges, pois desconfio que eles acreditam que alguém possa sair de um lugar sem ter entrado primeiro.

só descobri que havia perdido meu papel (como era de se esperar) quando no check-in de volta, depois de esperar uma hora e meia na fila. para receber meu bilhete, a atendente disse que era preciso pagar 50 pesos no banco, onde fui informado que deveria antes retirar o formulário em cinco vias na imigração, cujo funcionário explicou que deveriam conter meus dados, pagar e devolvê-lo, para receber outra ficha, escrever as mesmas coisas em duas vias, e então ser liberado.

os trâmites só levaram meia hora, depois da qual volto ao guichê da varig para retirar minha passagem, mais exausto do que puto, porque se burocracia é ruim, em errpanhol é pior. a moça passa uns 40 segundos olhando meus papéis com cara de quem não está entendendo nada, até se decidir por me entregar o bilhete.

subo, tomo uma cervejinha pra desopilar, e quando me dirijo à área de embarque, sou barrado porque não paguei ainda uma taxa de 18 pesos por um adesivinho na passagem, que me permite acesso à fila da revista, e depois à imigração.

dez minutos se passam até chegar à minha vez de descobrir que estou com as fichas erradas. o oficial atrás do vidro diz que tenho que descer tudo de novo até a imigração e trocar essas duas vias por uma das cinco que paguei. "quando voltar não precisa entra na fila, fala direto comigo".

desço, pego a fichinha, volto e o cara não está. o de outro guichê pergunta o que estou fazendo, vou lá, explico, entrego o raio do papel e recebo outra ficha, para ser preenchida com os mesmíssimos dados das outras cinco vezes. aí perco a esportiva, em português, mesmo. "porra, pra isso fizemos o mercosul?". de sacanagem, rabisco uns garranchos, o cara me entrega o papel que fui buscar, com outro carimbo. e só.

por sorte tinha um quiosque em frente ao portão de embarque, onde finalmente pude relaxar por um tempo, curtir um capuccino e divagar se uma das razões para se manter essa estrutura de estados-nações, hoje em dia, não seria justamente alimentar a máquina burocrática que eles mesmos criaram, numa inversão de valores absurda.
*********

outra coisa que me chamou a atenção, além de uns rabos-de-saia na área, foi a fila de brasileiros que começou a se formar para entrar no avião. todo mundo sabe que os assentos são marcados, e há um tempão que não se ouve falar mais em overbooking, de maneira que só posso concluir que existem pessoas com uma tara secreta por filas.

depois de meia hora de atraso e três xícaras, meu gozo masoquista foi inteiramente satisfeito quando um funcionário do aeroporto anuncia que por motivos de tráfego aéreo, esperaríamos mais dez minutos antes do embarque, e pedia às pessoas que, por favor, não formem filas. vingança!
********

o teor do bostejo pode dar a entender que a viagem não foi boa. lêdo e ivo engano. mas o que seria das narrativas sem as idiossincrasias?

depois tem mais.

gênios da publicidade

o yahoo anda espalhando que vai mover o planeta para criar um eclipse. então tá.

dizem que a façanha acontecerá no próximo dia 16, sábado, por volta das 18h. embora não anunciem como, desconfio que projetarão uma "sombra" no satélite, como fizeram no filme hancock, segundo me informa o bróder lessa.

parafernálias à parte, chamo a atenção para a notícia no sáite:
"Ao contrário do que algumas civilizações antigas acreditavam, um eclipse, seja natural ou promovido por uma marca, não representa absolutamente nenhum perigo para a vida na Terra."

que eu saiba, as únicas marcas conhecidas pelas civilizações antigas eram as produzidas por lanças, espadas, machados, porretes e que tais (bordunas inclusas). e, embora eclipsassem a razão, um golpe desses artefatos só fazia ver estrelas.

21 julho 2008

inculta e bela flor do lácio

de novo vez venho por meio dessas mal-traçadas criticar o analfabetismo dos criadores de conteúdo para os canais a cabo. a ignorância varia entre os gringos acreditarem que todos abaixo da linha do equador falam espanhol, e a completa falta de intimidade dos conterrâneos com o vernáculo.

o complexo de vira-latas é tamanho, que os caras se esmeram em falar todos os nomes em inglês - inclusive inventando pronúncias descabidas - enquanto devotam um descaso retumbante à língua portuguesa.

dessa vez o troféu "jumento de platina" vai para o canal people and arts, que brinda a audiência em seus comerciais com uma vinheta chamada "parêntesis".

alguém aí tem um revólver?

18 julho 2008

cena (infelizmente) carioca

hoje presenciei um fato que periga tornar-se prosaico no meu rio de janeura.

pouco antes do meio-dia eu passava pela avenida chile a caminho de um compromisso. para quem não está familiarizado com a geografia do centro , esta via é de mão-dupla, com uma calçada separando as pistas. normalmente vou pelo meio, porque costuma ter menos gente atravancando o caminho do que nas calçadas das pontas.

dali presenciei um acontecimento que marcou meu dia. foi tudo muito rápido, um recorte fragmentado da realidade, e dessa forma tentarei narrá-lo.

reparo num adolescente alto do outro lado da rua, na esquina da treze de maio. ele dá uma espécie de pinote e põe-se a correr, como se quisesse pegar um ônibus saindo do ponto mais à frente.

logo atrás dele, um camarada aparentando ter quarenta anos, gordo, de calça, casaco e mochila às costas faz um sinal com o braço estendido como se o chamasse. sem obter resposta, aperta o passo, saca uma pistola de detrás da camisa e aponta para o garoto.

eu, que fico incomodado até com barulho de estouro de balão de aniversário, reajo imediatamente tapando o ouvido do lado da arma e acelero o passo para longe da cena, o coração subindo à boca. no entanto, mantenho a cabeça virada para ver o que acontece.

o garoto pára de correr e começa a se abaixar para atender à ordem do homem para deitar no chão. uma mulher vem gritando que o rapaz é seu filho. o cara imediatamente guarda a arma e o rapaz se levanta de novo.

pelo que pude entender, o adolescente vinha acompanhado da mãe e correu, talvez, como supus, para segurar o ônibus. o cara da arma deve ter pensado que era assalto e quis dar uma de herói antes de entender o que acontecia.

continuei meu caminho, pensando na violência e na humilhação de ser forçado a deitar-se de bruços no meio da rua sem ter feito nada, simplesmente porque alguém de posse de uma arma de fogo se achou no direito de fazer justiça.
********

não sei o que sentiria se ficasse provado que o rapaz era mesmo ladrão. já fui assaltado e sei que a emoção que bate depois é uma fúria homicida. mas uma vez vi um bandido baleado por um segurança de rua, após uma tentativa frustrada de assalto. eu morava no jardim botânico, e voltava da faculdade quando fui atraído por uma aglomeração. o jornaleiro me inteirou do assunto, e meio guiado por uma curiosidade mórbida, fui lá.

nunca me esquecerei da expressão em choque do ladrão, os olhos esbugalhados olhando em todas as direções, sem no entanto ver nada, a respiração rápida e descompassada, certamente em razão do tiro na barriga. ele estava sentado no chão, escorado num poste, sem camisa e com a calça jeans aberta (depois descobri tratar-se de uma manobra policial para impedir que o "elemento" fuja correndo).

eu pensava "o sujeito deve ter acordado, tomado lá um café, beijado a esposa e ido roubar. mesmo que tenha acordado, cheirado um pó e batido nela..." de alguma forma não consegui sentir raiva. sei lá, senti-o muito próximo a mim. como eu, ele nasceu, aprendeu a falar, andar, em algum momento amou, sentiu alegria, raiva, frustração, medo... tudo igualzinho a mim. só que tive mais sorte. apenas por um acaso não era eu que estava ali.

é muito fácil sentir raiva, indignação, ou querer vingança, quando o alvo é um vilão distante, que causou dano a alguém que a gente não conhece. é quase uma abstração. eu mesmo já me apanhei querendo arrancar jugulares ao ler sobre uns dois ou três casos de violência recentes. mas ao vivo, olho-no-olho, a coisa pode mudar. talvez porque, embora uns se esforcem muito para fugir à regra, ainda sejamos todos humanos.

13 julho 2008

tá chegando a hora

daqui a exatos trinta dias o blog faz cinco anos.
já não agüentava mais olhar para aquele verde.
achei que precisava deixar as coisas mais limpas.
ainda não fiquei satisfeito.
talvez seja questão de costume, sei lá.

11 julho 2008

pra tirar as teias

o borduna! tá meio abandonado, admito, mas tenho andando muito ocupado vivendo. como se sabe, viver toma muito tempo.

para vocês terem uma idéia, ainda tô devendo escrever sobre minha ida pra jericoacoara em janeiro (!), sobre o nascimento da minha sobrinha e afilhada - a criatura mais linda e arrepiada que deus já teve a ousadia de criar, sobre mais um porrilhão de coisas.

how beautiful can a being be


prometo que daqui a pouco eu volto. cheio de novidades.

06 julho 2008

musica do dia

de hoje, anteontem, semana que vem, dois anos atrás... whatever (que é uma maneira educada de dizer "foda-se").


Discover The Beatles!

04 julho 2008

noite de frente fria

aqui poderia ser lido o poema das sete faces, que caberia como uma luva na situação. mas depois que meu professor falou que tem muito copy & paste na internet, resolvi dizer algo que julgo bem parecido, com as minhas palavras.

covarde que sou, abriguei-me da noite no piano do joão donato, desperdiçando um vinho que suspeito ser bom em copo de requeijão, fumando os últimos tocos de romeu e julieta, dando uma paradinha esporádica para ler clarice lispector e olhar as estrelas. o vento do inverno esfriando o pensamento do que poderia ter sido, o álcool esquentando o que será de fato daqui a poucas semanas.

ah, como é patética a melancolia. mas que tem seu charme, lá isso tem... não comigo, entretanto.

03 julho 2008

interlúdio para uma quinta-feira cinzenta


One evening as the sun went down
And the jungle fires were burning,
Down the track came a hobo hiking,
And he said, "Boys, I'm not turning
I'm headed for a land that's far away
Besides the crystal fountains
So come with me, we'll go and see
The Big Rock Candy Mountains

In the Big Rock Candy Mountains,
There's a land that's fair and bright,
Where the handouts grow on bushes
And you sleep out every night.
Where the boxcars all are empty
And the sun shines every day
And the birds and the bees
And the cigarette trees
The lemonade springs
Where the bluebird sings
In the Big Rock Candy Mountains.

In the Big Rock Candy Mountains
All the cops have wooden legs
And the bulldogs all have rubber teeth
And the hens lay soft-boiled eggs
The farmers' trees are full of fruit
And the barns are full of hay
Oh I'm bound to go
Where there ain't no snow
Where the rain don't fall
The winds don't blow
In the Big Rock Candy Mountains.

In the Big Rock Candy Mountains
You never change your socks
And the little streams of alcohol
Come trickling down the rocks
The brakemen have to tip their hats
And the railway bulls are blind
There's a lake of stew
And of whiskey too
You can paddle all around it
In a big canoe
In the Big Rock Candy Mountains

In the Big Rock Candy Mountains,
The jails are made of tin.
And you can walk right out again,
As soon as you are in.
There ain't no short-handled shovels,
No axes, saws nor picks,
I'm bound to stay
Where you sleep all day,
Where they hung the jerk
That invented work

In the Big Rock Candy Mountains.
....
I'll see you all this coming fall
In the Big Rock Candy Mountains


(da trilha sonora de e aí, meu irmão, cadê você?)

01 julho 2008

ninguém gosta da yoko ono

yoko no estúdio: "essa bruxa aqui de novo?"


pode ser que eu mais uma vez esteja errado, mas desconfio que a mulher mais odiada do mundo seja a yoko ono.

se partirmos do princípio que o planeta tem cantos, calculemos quantos seriam os fãs de beatles, moderados e fanáticos, de todas as idades, espalhados por seus quatro cantos.

o número resultante deve ser algo da ordem de dez elevado a porrilhésima potência (eu mesmo só conheço duas pessoas que NÃO gostam dos fab four).

suponhamos agora que, desse número mastodôntico, uma enorme fração é composta por gente que detesta a yoko ono, por diversos motivos. a ela é atribuída a responsabilidade pela alienação do john lennon, pela pior música já gravada num álbum dos beatles (revolution #9), e pela separação do grupo. além de ser oportunista, esganiçada, baranga, e péssima artista plástica.

alguns episódios embasam esse ponto de vista:

- na época do mothers, frank zappa fez um show no filmore east, em 1971, que contou com a participação de john e (pé-de-pato-mangalô-três-vezes) yoko. ela aborreceu tanto o pessoal da banda com seus balidos de cabra desmamada, que o captain beefheart enfiou um saco nela, da cabeça aos pés. a pentelha deve ter pensado que se tratava de uma performance, porque nem assim parou. check it out:



- no mesmo episódio, john lennon e seus produtores aproveitaram da boa-fé do zappa e armaram uma crocodilagem, que você pode ler no blog do pedro marques e ouvir da boca do próprio zappa:



- para coroar, teve uma época em que a própria yoko se encheu do john ("meu deus, criei um monstro"), e jogou sua secretária may pang pra cima do marido. por quase dois anos eles foram felizes, john recuperou o viço, voltou a falar com o paul, e até ensaiaram planos de um projeto juntos. mas a yoko hipnotizou o cara (!) pra voltar pra ela. duvida? leia o relato da outra japa.

29 junho 2008

a vida é um sopro

dizem pela aí que oscar niemeyer é um dos grandes gênios do século 20 e o escambau. não tenho instrumental algum para julgá-lo, mas ao assistir no canal brasil ao documentário do meu amigo fabiano maciel sobre o homem, me vi diante de uma das personalidades mais ricas que neste chão medraram.

é um sopro de vida, de inteligência, de frescor. frescor só explicável por uma absoluta tranqüilidade de consciência, como diz alguém no filme, com absoluta precisão.

niemeyer pertence à mesma tradição, repito, que kurt vonnegut: a de livres pensadores cuja única abstração na qual acreditam, e a qual servem, sem qualquer espera de recompensa ou punição, é sua própria comunidade.

são mais de cem anos de vitalidade e bons serviços prestados, fumando lá sua cigarrilha. mais vivo do que muita gente por aí, mais do que eu. deviam passar o filme no lugar desses globo repórter safados sobre saúde e qualidade de vida.

além dos depoimentos geniais, das imagens belíssimas, a arquitetura serve quase de pretexto para niemeyer falar sobre tudo, brasil, o mundo, a estupidez, vida, morte e esquecimento. as explicações sobre suas obras são tão precisas e elegantes, que justificam até brasília, cidade do meu desterro.

sobretudo, sente-se o pensamento de uma época em que o país tinha projeto, e que poderia ter dado certo.

********
o fabiano conheci através de uma amiga, e logo simpatizei com ele, tantos eram os gostos que tínhamos em comum, inclusive a paixão por uma certa mulher. o problema é que ela era casada comigo na época, mas ele dava em cima descaradamente.

mesmo com ela não cedendo, de minha parte a simpatia azedou. foi necessário o tempo desfazer a união e a ferida cicatrizar para, anos depois, nos reencontrarmos e rirmos muito de tudo. a vida raramente possibilita que nos vejamos, mas o afeto existe.

de volta ao filme, um momento em especial me tocou.
diz aí, oscar:

"Um dia eu tava no exterior, chateado, longe de tudo. Pensava no Brasil, nos amigos, na família. Tava tão revoltado que eu fiz um verso preguei na parede, assim:

Estou longe de tudo
De tudo que eu gosto

Dessa terra tão linda
Que me viu nascer.

Um dia eu me queimo
Meto o pé na estrada

É aí no Brasil que eu quero viver.

Cada um no seu canto
Cada um no seu teto

A brincar com os amigos
Vendo o tempo correr.

Quero olhar as estrelas
Quero sentir a vida

É aí no Brasil que eu quero viver.

Estou puto da vida
Essa gripe não passa

De ouvir tanta besteira
Não me posso conter.

Um dia eu me queimo
E largo isso tudo
É aí no Brasil que eu quero viver.

Isso aqui não me serve
Não me serve de nada

A decisão tá tomada
Ninguém vai me deter.

Que se foda o trabalho
Esse mundo de merda

É aí no Brasil
Que eu quero viver.
"

********
ó que beleza o trailer do filme:

21 junho 2008

sabática

hoje à tarde, depois de tentar por duas vezes sem sucesso sentar-me para exercitar as bordunadas e chegar à mesma conclusão daquele personagem do decamerão do pasolini, que ao finalizar a pintura de um afresco se pergunta "por que pintar, se sonhar é tão melhor?", entreguei-me a tarefas prosaicas, como pendurar umas roupas no varal, comer melancia (a fruta, não a mulher), terminar o cama-de-gato do vonnegut, beber uma jarra de café e finalmente começar a ler água viva, da clarice lispector, que me esperava desde antes do feriado de "porcus tristi".

então estava eu, absorto pelo maravilhamento da escrita da clarice, sobre quem o otto lara resende disse, com sabedoria, que o que ela fazia não era literatura, e sim bruxaria, enfim, estava imerso no que mais próximo imagino ser a alquimia da vida através das palavras, quando um dos meus vizinhos de baixo, que andava até tranqüilo ultimamente, achou por bem proclamar ao mundo sua imensa pusilanimidade ao botar uma daquelas músicas de bate-estaca a pleno volume.

só mesmo a interrupção deste momento de profundo deleite estético para me tirar de casa até a praia, sob o pretexto de aproveitar os últimos instantes de sol. como se diz pela aí, "aproveitar a vida". nada nocivo, no fim das contas.

mas antes de arrumar as coisas, dar uma mordida numa maçã e sair de casa, não pude deixar de lembrar das sábias palavras do mestre vonnegut:

"As futuras gerações vão se lembrar da televisão da mesma maneira que o chumbo nos canos d'água levou lentamente os romanos à loucura."

eu diria o mesmo de certas variações do que hoje em dia se convencionou chamar música.

*********
voltei da caminhada e fui cuidar de outras desimportâncias impostas pela vida. os compromissos, perdi-os. liguei para amigos, ofertaram-me propostas pouco interessantes. então novamente deitei-me com clarice e sua água viva.

eu, que semana passada necessitava de distensão, que precisei esticar ao máximo o fio da sanidade justamente para não rompê-lo, hoje me encontro em período de recolhimento, com vontade de abraçar a mim mesmo, um abraço como os que se dá em quem se ama e cujo contato se perdeu há muito tempo. como um irmão retornando do exílio.

mas parece que hoje não é dia. o meu, pelo menos. são nove da noite, e num prédio ao lado, uma horda de bucéfalos urra uma felicidade que crêem genuína, forjada, no entanto, pela televisão ou outra bobagem de massa. e gritam em júbilo, uma chuva de perdigotos fazendo companhia à baba elástica, bovina, a lhes escorrer pelo canto da boca: zaca! zaca! a turma é da fuzarca!...e por aí vai.

preciso sair de casa. felizmente, ainda há o uísque no mundo.

14 junho 2008

epígrafe

no momento em que a vida levanta sua cortina para mostrar de relance como pode ser insensível e sem sentido, retorcendo-me o juízo e as tripas como nunca imaginei que fosse capaz de acontecer, busco distração no "cama-de-gato", vonnegut recém-adquirido pela internet (cat's cradle), de onde salta a frase de abertura:

"Viva pelas mentiras inofensivas que o tornam corajoso e gentil e saudável e feliz."

quão oportuno.

04 junho 2008

há que se viver

três mocinhos elegantes


sammy davis jr. era, com todo o respeito, um neguinho feio pra burro.

baixinho, magrelo e queixudo, ele andava com dois galãs da época, o dean martin (que todos conhecemos como o parceiro do jerry lewis) e o frank sinatra. junto com peter lawford e joey bishop, formavam uma espécie de clube dos cafajestes em dólar, o rat pack, nome certamente inspirado na aparência de sammy.

mas como em hollywood ninguém dá ponto sem nó, e gente burra já nasce morta, sammy era craque na interpretação, no canto e na dança. foi o primeiro negro a ter um programa de tevê e, audácia das audácias, virou judeu.

o público devia amá-lo tremendamente, ou a máfia (via sinatra) lhe dava costas quentes, pois os rednecks mascadores de tabaco costumam encher de chumbo "quem não sabe seu lugar".

o caso é que descobri uma música genial gravada por ele, que vou adotar como mantra daqui por diante. se descolar uma gravação, bostejo aqui.

A lot of livin' to do
(Charles Strouse/Lee Adams)

There are girls just right for some kissing
And I mean to kiss me a few
Oh those girls don't know what they're missing
I've got a lot a livin' to do

And there's wine already for tasting
And there's Cadillacs all shiny and new
Gotta move me, cause time is wasting.
There's such a lot a livin' to do

There's music to play
Places to go and people to see
Everything for you and me.

Life's a ball, if only you'd know it
And it's all waiting for you
you're alive, so come and show it
There's such a lot a livin' to do

I've got a lot a livin' to do

Man, there's such a lot a livin' to do
Why, there's music to play,
places to go and people to see
Everything for you and me.

Life's a ball, if only you'd know it
And it's all waiting for you
you're alive, so come and show it

There's such a lot a livin'
Such a lot a livin'
Such a lot a livin'
Such a lot a livin' to do

02 junho 2008

amigo é pra essas coisas

meu novo amigo de infância babelikós, vulgo "maikelsgri", tem o talento literário que eu gostaria de ter, se não fosse tão preguiçoso para trabalhá-lo decentemente.

pois não é que agora ele me sai com um texto genial, um resumo de tudo o que eu queria ter dito há umas duas semanas, se idéias não tivese as idéias tão embaralhadas.

assino embaixo sem tirar nem pôr. adoro esse caboclo.

01 junho 2008

no fim das contas

um dos maiores prazeres para mim é tomar banho, e o atribuo à uma distante herança indígena. o hábito também poderia ser explicado pelo manancial de pensamentos e associações esdrúxulas que brota nessa hora. é batata: basta a água bater no corpo para a cabeça desenvolver um rizoma de bobagens. lavar louça e caminhar também causam esses estímulos.

e foi no banho que, por ocasião do meu aniversário, cheguei à conclusão de que não há presente maior, nessa ou em qualquer outra data, do que a presença dos amigos, física, virtualmente ou em lembrança. quando era criança, só queria saber de brinquedos. depois foi o tempo das roupas e dos tios chamando à parte para nos enfiar no bolso um envelope com cheque ou dinheiro. não vá gastar tudo em bobagem, conselho que nunca pude seguir. mas não há nada que substitua os abraços e beijos, ligações, imeios, recadinhos pela internet, ou o daqui a pouco eu ligo que vira esquecimento. afinal, somos todos humanos. tudo muito simpático, de verdade.

por isso agradeço a todos os que já riram comigo ou de mim, aos que me viram chorar ou que choraram comigo, aos que dividiram os momentos de angústia ou que sofreram por mim, aos com quem sentei em mesa de bar, que beberam até vomitar na minha casa ou eu nas deles ou em seus carros. aproveito para agradecer àqueles que me amaram de alguma forma, abertamente ou em segredo, especialmente às moças, mesmo as que me odiaram, ignoraram ou me devotaram seu desprezo. saúdo os que já me fizeram perder a paciência, os que correram atrás de mim por algum interesse ou favor, os que alguma vez tenham me humilhado ou invejado (quem diria que eu poderia ser digno de inveja, talvez o seja, sei lá), os meus credores... enfim, meus agradecimentos sinceros a todos aqueles que me fazem lembrar que estou vivo aqui nesta terra e que existo. é por vocês que eu acordo, faço a barba, corto e penteio os cabelos (como disse antes, banho eu tomo porque gosto), é por vocês que mofo oito horas por dia num labirinto de ratos por dinheiro, que arrumo a casa, e, por mais que me entristeça, é por vocês que não ando nu como é de minha natureza e como gostaria de andar.

a todos vocês, "ícones guardados num coração-caverna/ como quem num banquete ergue a taça e celebra/ repleto de versos levanto meu crânio". obrigado também, maiakovski, pelos versos. obrigado do fundo do coração. a vida tem sido boa para mim. sem vocês todos ela não seria a mesma. são 35 outonos - a mais bela das estações - de serviços prestados mais ou menos nas coxas, mas que coxas!

********
musica do dia:

31 maio 2008

de frente pro crime

nego véio, que de bobo não tem nada, entrega a ficha:

tutti buona gente

30 maio 2008

genetlíaco propriamente dito

a passagem dos anos me fez perceber que quase todos os acontecimentos decisivos na minha vida acontecem no segundo semestre. de maneira que passei a acreditar que o ano só começa de verdade depois do meu aniversário.

se estou certo ou errado não importa, o que conta são os sinais. e logo hoje, a seleção que fiz no musicovery abriu com feeling good, na voz da nina simone. era o mundo me dizendo "bons auspícios à frente, camarada". pra vocês também.



*********
"hang over beethoven". foi assim que minha amiga clarisse, dançarina das mais elegantes e espadachim de trocadilhos bilíngües puxou papo comigo hoje pelo messenger da repartição. a referência era ao estado em que estávamos depois da tripla comemoração geminiana da noite anterior, cuja presença mais sentida foi nossa amiga alencarina, o quarto elemento.

no papo que se seguiu nasceu a epifania:

ela - como diz um amigo meu, o rock cobra seu preço. e tá cada vez mais caro, pqp!

eu -
é mesmo... por isso que a gente tem que passar para a música clássica. quer dizer, agora entendo porque os gostos musicais tendem a se tornar mais conservadores com a idade. a gente acha que as pessoas encaretam ou ficam sofisticadas...qual nada!

ela - a voz é q acaba mesmo!

eu - e o fígado que não dá mais conta do recado.

28 maio 2008

divagações coletivas

eu me encontrava dividido entre a leitura do leminski - leitura que na verdade eu adiava, pois se terminasse o livro, não teria nada para me distrair no trajeto de volta -, o caminhar dos ponteiros e o lento escorrer do trânsito. o segundo engarrafamento do dia, no mesmo aterro do flamengo. se me acostumar com isso, posso me mudar para são paulo.

********
foi numa excursão do colégio ao aterro (que diabos fomos fazer lá, afinal? respostas apagadas pelo tempo) que aprendi que carioca significa "casa de branco", e que a abundância de flamingos seviu de inspiração para o batizar o bairro.

os pernaltas que habitavam estas plagas devem freqüentar hoje o mesmo céu dos bisões americanos e dos dodôs das ilhas maurício. se bem que os flamingos ainda não foram extintos. parece que há muitos deles na flórida. será que eles emigraram para lá quando a coisa ficou preta por aqui? também há jacarés na flórida, bem como em jacarepaguá. esses bichos são casca-grossa, mais difíceis de serem extintos.

********
chegamos à praia de botafogo, e pela primeira vez percebo que o mar aqui, iluminado pelos postes elétricos, também faz marolas pertinho da areia. parece óbvio que assim seja, mas há um ano e meio faço esse caminho pelo menos dez vezes por semana e acho que nunca havia reparado nisso.

********
a expressão "nunca havia reparado nisso" me lembra a vez em que tomei chá de trombeta. mais ou menos dos 15 aos 22, talvez com saudades do meu jogo de "pequeno químico", tentei fazer do meu corpo um laboratório de testes, a título de expansão da consciência. a maior besteira que cometi nesse sentido foi, num belo dia, catar com uns amigos dez flores de Brugmansia aurea num jardim da rua j. carlos, no jardim botânico. fomos para casa de um deles e bebemos a infusão.

a história é longa, então resumo: tentei plantar no chão do apartamento as florezinhas estampadas no tecido do sofá , li livros que não existiam, bebi chás imaginários, e liguei televisões-fantasmas para torcer para jogos de futebol da minha imaginação. isso é o que me contam, porque minhas memórias desse dia são quase todas inexistentes. também dizem que não conseguia articular uma frase inteligível.

há coisas, entretanto, que lembro bem. conversei com gente que não estava lá, e por volta das tês da manhã, largado à minha própria sorte no playground do edifício, caio no chão de joelhos, e as pedras portuguesas pretas me parecem muito macias.

- o chão é feito de espuma de ar-condicionado! faz mais de dez anos que moro aqui e nunca havia reparado nisso!

saí tateando o chão, para medir a extensão da minha descoberta. dias depois algumas pessoas disseram ter me visto de suas janelas engatinhando no play de madrugada. depois da experiência, fiquei com as pupilas dilatdas por dois dias.

********
o trânsito finalmente começa a fluir, mas na barata ribeiro o ônibus fica num movimento constante de pára-anda, como se engasgasse. muito chato isso para quem quer ler e escrever. faltam 15 minutos para começar minha sessão e ainda estamos na santa clara.

opa! o motorista aproveitou uma conjugação de sinais verdes a seu favor e deu uma avançada bem rápida até a miguel lemos. talvez dê até tempode comer umas empadas e tomar um mate antes da análise. só que meu relógio não está lá muito confiável. prometeu-me cinco minutos que não poderia me dar. foi o relógio de rua que o desmentiu.

eu já o vinha achando meio distraído, às vezes perdendo a hora, principalmente depois que a minha pulseira do senhor do bonfim arrebentou. será que ele está sentindo falta dela? é bem verdade que ela estava suja e puída, mas era sua única companheira em todo o braço esquerdo. não posso me atrasar.

********
minha amiga tereza resolveu fazer análise aos 50, e conseguiu horário um terapeuta muito bom e muito conceituado. no dia de sua primeira sessão, enquanto acabava de se arrumar para sair, sua mãe, que havia acabado de voltar a morar com ela depois de algumas décadas, pergunta se ela "já passou um perfuminho".

- mamãe, eu não estou indo namorar. estou indo falar mal de você!

********
hoje não estou indo falar mal de ninguém. vou contar a história do renque de amores perdidos e desperdiçados, e de como os padrões se repetem, e perguntar o nome dessa fera que vive às sombras e que me faz errar como um cão sem dono. un perro callejero, diriam os espanhóis. o que não seria uma rima e tampouco uma solução.

26 maio 2008

genetlíaco

meu aniversário tá chegando. antigamente, sempre que me perguntavam quantos anos estava fazendo, eu respondia "a idade de cristo". ao interlocutor espantado (ou não), explicava que cristo teve todas as idades de zero a 33 anos. portanto, qualquer número entre esses poderia reperesentá-la. se eu dissesse "a idade com que cristo morreu"...

essa era uma forma de humor típica do meu avô murilo.

com a minha idade j. cristo já era o messias ressuscitado. o stravinsky já tinha composto a sagração da primavera, o gershwin, rhapsody in blue, e o frank zappa, lançado hot rats. isso para não citar o noël rosa, porque aí já seria humilhação demais.

em compensação, euclides da cunha ainda não tinha parido os sertões, nem um certo joaquim maria, do cosme velho, tinha materializado memórias póstumas..., quincas borba e dom casmurro, não tendo, portanto, se metamorfoseado em machado de assis.

será que a maturidade musical vem antes da literária? será rimbaud uma das exceções que confirmam a regra? cartas para esse endereço.

a propósito, quem souber de mais algum caso de inspiração tardia, me avisem para eu não ficar muito deprimido.

ou então, quem quiser me animar pode fazer o seguinte: imprimir essa imagem (sem o logo, se não for pedir muito) do kurt vonnegut numa camisa e me dar de presente.

não se preocupem em serem originais: todos serão igualmente muito bem-vindos.

21 maio 2008

poeminha para um feriado com costelinha

O astronauta
(Vinicius de Moraes - Baden Powell)

Quando me pergunto
Se você existe mesmo, amor
Entro logo em órbita
No espaço de mim mesmo, amor

Será que por acaso
A flor sabe que é flor
E a estrela Vênus
Sabe ao menos
Porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor

Mas você, sei lá
Você é uma mulher, sim
Você é linda porque é

nós não semo tatu!

não gosto de andar de metrô. sei que ele beneficia uma porção de gente, oferecendo uma alternativa de transporte veloz, confortável e mais fresco, principalmente agora que acabaram com aquela vergonha que eram os carros da linha 2, menores, sem ar-condicionado e com janelinhas que pareciam basculantes de banheiro.

para os meus deslocamentos mais freqüentes (casa-trabalho-casa), o caminho para a estação de metrô é mais longo, e pago bem mais caro para ir em pé, apertado e por debaixo da terra. sem contar que não tenho vocção para tatu. já de ônibus, as opções são inúmeras, portanto sempre viajo sentado, vou mais rápido, e ainda sou brindado pela vista do pão-de-açúcar e do aterro do flamengo.

aos que argumentam que os ônibus são poluentes, respondo que as hidrelétricas e termelétricas que geram a energia para mover os vagões do metrô também causam um impacto ambiental enorme. um a um, tudo igual no maraca.

ser mal-servido já é ruim, mas sofrer o descaso que a opportrans, concessionária do serviço dispensou aos usuários da linha 2 (sempre ela!) na segunda-feira 19 de maio, faz minha indignação entrar em ebulição. o impressionante relato da leitora cláudia freitas foi publicado no globo. onde está a agência reguladora (agetrans) nessas horas? o governador, pelo menos, a gente sabe que estava passeando de bike em paris...

20 maio 2008

domingo de praia

acordei ainda meio zonzo da farra de sábado, que começou com o churrasco de um amigo, e acabou com a comemoração improvisada do aniversário de outro num show cover dos beatles. em dado momento, caí de costas no palco, e depois do fim da apresentação, tomei de assalto o microfone junto com outro camarada, e esfrangalharmos nossas gargantas cantando helter skelter até desligarem os microfones.

levantei-me lá pelas nove, com o sol clareando meu quarto sem cortinas. depois de vários dias nublados, fiquei animado com a posibilidade de recuperar as energias com um banho de mar. vesti um calção e fomos os três à praia, eu, mrs. dalloway e mário quintana.

ainda havia pouca gente na areia, a água estava cristalina, e a temperatura, nem estupidamente, como a boa cerveja, nem aquela sopa morna que no nordeste chamam de mar. enquanto nadava em direção à arrebentação, mergulhei de olhos abertos (tão clarinha...) e emergi sem as duas lentes de contato. beleza, não seria a primeira vez, e ainda tinha um par sobressalente em casa.

pouco depois subiu uma onda que, de onde eu estava, parecia ter uns cinco andares de altura. afundei até ficar rente ao chão, mas ela estourou em cima de mim e me arrastou de todos os jeitos durante uma eternidade. ao alcançar a superfície, bebi um tanto d'água e vi o quanto tinha me afastado da areia.

foi apenas o tempo de outra coluna d'água desabar sobre minha cabeça e praticamente virar-me pelo avesso. depois da quarta onda, achei que a coisa tava ficando preta, pois meu fôlego ficava cada vez mais curto. pela primeira vez, considerei a possibilidade de me afogar.

felizmente, a série me jogou num ponto em que consegui ficar em pé e sair da água, meio tonto, mas com alguma dignidade. e com tanta areia no calção que parecia ter herdado os bagos do homem-elefante. tive que voltar para a água (no rasinho, dessa vez) para esvaziá-lo.

desabei na canga e fiquei me esquentando ao sol enquanto recuperava o fôlego. depois comecei a ler mrs. dalloway, mas a conversa do lado era páreo duro para a prosa rebuscada de mrs. woolf. uma moça contava para outra nem tanto as brigas homéricas que tinha com o namorado/marido, por conta das puladas de cerca do bruto.

à medida que as horas passavam, mais gente se aboletava à minha volta. principalmente quando o mar, que produzia umas ondas de uns dois metros e meio de altura, começou a avançar sobre as pessoas instaladas na beirinha d'água.

dei uma cochilada, mas fui acordado por três aviões voando em fila indiana, cada qual carregando uma faixa. acho que era algum protesto contra o ministro da saúde. tudo o que esse míope sem lentes conseguiu ler foram as palavras "temporão" e "remédios", mas duvido que alguém usasse tal expediente para elogiar alguém.

depois chegou um casal com uma criança que jogava areia para todos os lados enquanto brincava de pegar com um cachorrinho yorkshire chamado "fifi". definitivamente vi que era hora de tirar o time de campo.

no caminho de casa, dois camaradas carregando um caiaque atribuíam o tamanho do mar à lua cheia, e quando cheguei à princesa isabel, o helicóptero do salva-mar içava um sujeito com um puçá preso à uma corda. poderia ser eu.

17 maio 2008

pausa para meditação

porque hoje é sábado.



concerto para piano no.5 em mi bemol maior, opus 73, "imperador"
(2. adagio un poco moto)


ludwig van beethoven

16 maio 2008

comunicação empresarial em uma imagem

"a voz do dono."

mais aqui.

para descontrarir (sic)

piadinha surgida durante o trabalho, a propósito de dois bostejos anteriores.

babelykós - Anda reconhecendo a própria ignorância também?

eu - pois é...

babel - Cara, esses textos de Power Point... é verdade viu... Acho que só o Shakespeare e o L.F. Veríssimo têm mais que o Quintana.

eu - mas é que o veríssimo é para textos "engraçados" e o quintana, para "profundos".

babel - É, é bem isso.. Os críticos são todos do Jabor.

eu - e o millôr fica entre o "crítico" e o "engraçado". seria o "debochado". do shakespeare eu nunca vi...

babel - (Aquele que virou música do Frejat... "desejo que você tenha a quem amar...")

eu - não recebi esse, não.

babel - Quer que eu te encaminhe?!

sincronicidade

ao mesmo tempo em que sou preconceituoso como o cão em relação ao meus (des)gostos (in)culturais, sou curioso a ponto de me render a um bom argumento.

só para ficar num exemplo bem simples pero ilustrativo, teve uma época, lá pelos 15 anos, em que eu abominava beatles... hoje sou capaz de dizer a cor da cueca do ringo no último show da banda, no candlestick park, em são francisco, no ano da graça de 1966.

enfim, é o que está acontecendo com o mário quintana. falei da minha ignorância em relação à sua obra (sem nenhum juízo de valor, arima). logo os amigos vieram acudir-me com poemas e informações sobre o poeta.

o mais curioso, entretanto, foi eu estar ontem à noite pela feirinha de livros usados montada na cinelândia, e topar com uma edição de mrs. dalloway, traduzida adivinhem por quem? pois é...

voltei lá depois do almoço de hoje, já com os caraminguás engatilhados para adquirir o volume. não costumo ignorar certos sinais. no creo en las brujas, pero sí en la casualidad...

a propósito, reza a lenda que era uma samba-canção azul.

15 maio 2008

filosofia da vila isabel e arredores (2)

"O motivo das brigas era o mais freqüente de todos os motivos de briga de casal desde que o mundo é mundo: a falta de motivo."

aldir blanc, in "Rua dos Artistas e arredores".

14 maio 2008

os outros leitão, eu leitinho...

por pura ignorância, confesso que nunca considerei o mario quintana um dos meus poetas preferidos. e pelo pouco que sei acho que ele não teve muita sorte.

vejamos: ele tentou trocentas vezes entrar para a academia brasileira de letras e foi gongado.

essa meu avô me contou.

no fim da vida, ele tava numa pindaíba tão grande que morou de favor num hotel do ex-jogador e comentarista de futebol falcão (que classe!).

essa eu me lembro de ter visto no noticiário.

depois de morto, onze entre dez textos hediondos e apresentações semi-analfabetas em powerpoint que lotam as caixas de imeio são atribuídas a ele.

essas eu recebo todo dia.

entretanto, essa imagem tem mudado para mim, pois volta e meia alguém me mostra algo escrito por ele de verdade. coisas boas.

enrolei até aqui para dizer que um desses eu li no blogue da ana paula, e tem tudo a ver com uns troços que andei passando e sobre os quais não conseguia escrever. calma, gente, não estou doente nem vou mudar de time! é só umas coisinhas...

enfim, o bagulho é o seguinte:

O pior
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.

a revolta do sovaco

quando me declarei seduzido pela penugem axilar feminina, tive minha sanidade questionada (para não mencionar as preferências sexuais) e fui objeto do preconceito hidrófobo de algumas mulheres. tinha uma que, se pudesse, me pendurava num gancho, qual um chouriço mussolini.

fosse john lennon vivo, ele diria que sou "o crioulo do mundo".

só que este que vos fala, tijucano da gema e safo dos quatro costados, não se abala nem dorme no ponto.

pois parti em busca de especialistas para fundamentar minha opinião e provar que estou ombro-a-ombro com a mais alta estirpe da vanguarda mulherística.

quem há de negar que vinícius de moraes é a maior autoridade em assuntos femininos nesse país, mais até que o chico buarque? pois o poetinha, mestre dos magos, dos copos e da moças, disse o seguinte:

"É aconselhavel na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
".

tomaram, papudos(as)?

quem duvida da existência do texto ou de sua autoria, procure pela aí a receita de mulher.

11 maio 2008

filosofia da vila isabel e arredores

"O que é o amor sem um par de coxas, e vice-versa?"

aldir blanc, in "Rua dos Artistas e arredores".

10 maio 2008

"Europeus abusam de álcool e drogas por sexo, diz pesquisa"

deu no globo.

essa notícia está velha em pelo menos 8.000 anos.

desde quando os sumérios e egípicos começaram a fermentar cereais e uvas, o álcool é utilizado como artifício para se levar "os puxual" pra cama.

o velho continente deve estar mesmo esclerosando...

parábola

depois de calcinar meu almoço no microondas durante uma acalorada discussão telefônica sobre quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete, entrou uma abelha pela janela.

essa abelha já não devia ser lá muito boa da bola, porque, até onde eu saiba, o cheiro de fumaça repele esse tipo de inseto. no entanto, a névoa fedorenta que saía do forno e tomava meu pequeno apartamento pareceu atraí-la.

enxotei-a delicadamente com uma revista pela janela do quarto, mas quando fui beber água, notei que ela havia entrado novamente, dessa vez pela sala.

botei-a para fora de novo, mas a estúpida insistiu em voltar, e agora está zumbindo e se debatendo contra o vidro, na tentativa de sair. depois de tê-la ajudado duas vezes, vou deixá-la ali até que morra de exaustão.

definitivamente, há seres que preferem insistir em empreitadas inúteis, mesmo que isso lhes custe a vida, do que aceitar uma mão de alguém que, no momento, tenha uma visão mais ampla da situação.

são esses os que dizem: "ei, tenho minha própria cruz para carregar!"

quem sou eu para contrariá-los?

polititica

"Acho que qualquer forma de governo, não só o Capitalismo, é sempre aquilo que as pessoas que estão com todo o nosso dinheiro, bêbadas ou sóbrias, loucas ou sãs, resolvem fazer, a qualquer hora".

kurt vonnegut, in hócus-pócus.

08 maio 2008

outro diálogo

entreouvido nas bancas da feira de livros usados montada na cinelândia. um garoto com pinta de universitário na casa dos 20 anos, chama a atenção do colega:

- olha só, um livro do "oscar vílde"!

- pô, presta atenção, o livro é em inglês.

- ah, é! então é
"óscar uáilde".

05 maio 2008

diálogo

eu - e aí, que tipo de som você gosta de ouvir?

interlocutor - sou eclético.

eu - ah, é? quer dizer que a qualquer momento você pode entrar em convulsão, babar e enrolar a língua?

02 maio 2008

corolário

almoço com amiga e um grupo de desconhecidos. na mesa, várias pessoas não param de falar mal de uma outra, ausente.

donde concluo que ser chato é uma das maneiras de se alcançar a onipresença.

in the mood

até os pombos da cinelândia sabem que, salvo uma coisa aqui outra acolá, tenho todas as restrições possíveis aos anos 80, em especial à sua produção musical de massa.

eis que outro dia bastou um carro passar do meu lado tocando men at work, pra me dar uma bruta vontade de baixar tudo (as músicas. olha a margem!).

e não é que reencontrei uma que tem tudo a ver com tudo?



Who Can It Be Now? - Men at work

Who can it be knocking at my door?
Go 'way, don't come 'round here no more.
Can't you see that it's late at night?
I'm very tired, and I'm not feeling right.
All I wish is to be alone;
Stay away, don't you invade my home.
Best off if you hang outside,
Don't come in - I'll only run and hide.

Who can it be now?

Who can it be knocking at my door?
Make no sound, tip-toe across the floor.
If he hears, he'll knock all day,
I'll be trapped, and here I'll have to stay.
I've done no harm, I keep to myself;
There's nothing wrong with my
state of mental health.
I like it here with my childhood friend;
Here they come, those feelings again!

Who can it be now?

Is it the man come to take me away?
Why do they follow me?
It's not the future that I can see,
It's just my fantasy.

Oh...Who can it be now?

24 abril 2008

gênios da publicidade

nos anos 90 do século passado (adoro a sensação de pertencer a outro século), inventaram uma coalhada com um troço chamado "bifidus ativus", que supostamente faria maravilhas ao trânsito intestinal.

agora, tentam nos convencer de que seremos constipados de pai e mãe se não comermos um iogurte com um tal de "bacilo dan (dããã...) regularis". então tá.

no fim das contas, trata-se de publicidade de merda. e, nesse campo, até as pedras do calçamento sabem que mamão causa o mesmo efeito, com a vantagem de existir desde o princípio dos tempos e ser muito mais barato.

para me fazer de trouxa é preciso um pouquinho mais de sagacidade.

pra saber das novidades

já faz algum tempo que as manchetes do diarinho (não é que os caras cobram pela leitura do conteúdo?) tornaram-se quase obrigatórias.

misto de "espreme-e-sai-sangue" e "casseta e planeta", seu estilo é garantia de pelo menos um sorriso pela manhã. recomendo.

pérola do dia:

16 abril 2008

gastando latim

guardadíssimas as devidas proporções, às vezes me sinto como anchieta, escrevendo seu poema na areia da praia, pra depois vir a porra do mar e lamber tudo. ou seja, um trabalho boçal, mas que pelo menos eleva à santidade.

digo isso porque sempre que consultado (não sou besta de puxar esse tipo de assunto), canso de entregar às amigas o pulo do gato do trato com o sexo oposto. em vão.

sei que nada sei, porém gigante pela própria natureza, e com a experiência do convívio com os de meu gênero e espécie, afirmo com um mínimo de propriedade conhecer o que eu e alguns homens queremos delas e com elas.

talvez nenhuma mulher acredite em mim pela predominância do meu hemisfério palhaço. só que quando elas vêm me contar suas desventuras amorosas, tenho que morder lábios, língua e cotovelos para segurar o desejo de lascar um "não disse?", porque isso um cavalheiro não faz.

além do mais, desisti de ter razão. melhor é ser feliz ao lado de uma costelinha para esquentar e chamar de minha linda. os fatos apenasmente confirmam minha tese ainda não totalmente elaborada sobre o "romantismo canalha". mas atire a primeira pedra quem souber o que querem as mulheres.

para ser ouvido, resta-me ecoar as palavras do canalha-romântico por excelência, xico sá (dois bostejos seguidos sobre o cara... vão achar viadagem). reproduzo o texto, para ninguém ter a pachorra de dizer que a página não abriu.

DOU RISADA DE UM GRANDE AMOR - 16/04/2008

“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor, mentira!”

Encontro minha amiga A., no nosso botequim predileto, e a desalmada vai logo anunciando, com a ironia fina que a acompanha na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença.

Sempre tem boas histórias e uma mania louca de escolher uma música, normalmente Chico Buarque, para trilha das sagas românticas.

Como Chico tem um vasto elenco de personagens femininos e incorpora as dores e delícias das mulheres, ela escolhe no capricho, no ponto. Moleza, garoto.

“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor, mentira!”, ela repete e repete, enche o saco com o “Samba do grande amor”.

Essa música nem é protagonizada por uma fêmea, e sim por um homem desiludido do amor, um cabra cujo destino parafusou-lhe na testa belos objetos pontiagudos, como diria o compay Marçal Aquino.

Mas ela insiste e canta assim mesmo. Pior: canta e ri, uma loucura. Que diabo de sofrimento é esse com essas gargalhadas todas?

A moça é assim mesmo. Não tem jeito. E olhe que nem pediu caipiroscas de frutas vermelhas nesse dia, ficou apenas no chope, coisa fina e civilizada.

“Morrer dessa vez é que não vou”, tira onda. “Ih, estou escaldada, velho Francisco”.

O que A. me contou uma das coisas banais que mais escuto das minhas amigas nos últimos tempos. E olhe que sou conselheiro, ombudsman das moças, cupido e ouvidor-geral de muitas crias das nossas costelas.

“Sua carteira de desesperadas é grande”, ela mesma tira uma boa onda sobre um ofício que desenvolvo com gosto e curiosidade desde os verdes anos –quando sequer eu sabia o era uma mulher para valer, conhecia apenas as cabritas e as bananeiras.

A amiga deparou-se com mais um desses homens que prometem, ensaiam, jogam um charme, cultivam, cantam de galo... comparecem e..., sem dizer nada, tomam o clássico chá de sumiço.

“Por essas e por outras é que agora prefiro um bom canalha a um homem frouxo”, prega a amiga, conquistando rapidinho o apoio da mesa feminina ao lado. “Um canalha pelo menos me pega com gosto e temos noites deliciosas”.

Defende a tese e emenda, riso desavergonhado: “Passava um verão a água e pão, dava o meu quinhão pro grande amor, mentira!”

É rapazes, é tempo de homem frouxo, que corre mesmo diante da possibilidade de uma história mais densa e afetiva. Não sabem o que estão perdendo. A começar pela minha amiga cantante, belo exemplar da raça, no auge dos seus 3 ponto 6, boa conversa, boa lábia, gostosa, bocão e um humor capaz de tornar o mais nublado dos dias no dia mais alegre e comovente para o cara que estiver ao seu lado. Sorte deste hombre!

a pão e laranja

buquinando no centro da cidade, tomado pela modorra pós-prandial, deparo-me com um exemplar de "modos de macho, modinhas de fêmea" a 10 real.

o barbudinho do balcão faz graça durante a operação de pagamento pelo cartão de "déto":

- olha aí, o senhor tá sendo processado.

aprovada a transação (com trocadilho), a maquininha cospe o canhoto.

- pronto, saiu sua absolvição. o senhor já pode cometer outro crime.

penso cá com meus botões, se todos os crimes fossem literários, qual seria a pena imputável a um leitor de xico sá?

para gostar de beatles



porque ainda existe vida inteligente em algum lugar. dá até para acreditar que as novas gerações estão em boas mãos.

quem sabe, vai entender.

ps: o começo é acelerado e sem áudio, para burlar os direitos autorais.

12 abril 2008

atende, que é pra você

a solange indicou e eu tarrei. e já saí brincando de criar toques para celular. se algum dia você ouvir algum desses, pode procurar em volta que sou eu.











by audiko.net — ringtones.












by audiko.net — ringtones.












by audiko.net — ringtones.

11 abril 2008

músicas que marcaram minha vida (1)

irene - caetano veloso



se não me engano, o caetano compôs essa música em 69, durante seu exílio em londres. é um hino à saudade, materializada pela lembrança do riso da irmã. quase 20 anos depois, vivo uma história parecida, obviamente guardadas as devidas proporções.

circunstâncias alheias à minha vontade levaram-me a fixar residência em brasília pela terceira vez. estávamos às vésperas do jubileu de minha maioridade oficial, data que, pela localização geográfica, não oferecia nenhum motivo de júbilo. exilado no meio do cerrado, eu amargava a saudade de um rio de janeiro cuja noite, bares, mulheres, naturezas e mistérios eu mal começara a desbravar.

no distrito federal relacionava-me pouco, mas houve coisas boas. meu desenho deu um salto qualitativo, mergulhei fundo na obra dos beatles, de augusto dos anjos e allen ginsberg, e tomei meu primeiro porre de vomitar e apagar. assisti "hair" pela primeira vez. pouco antes de voltar, conheci um pessoal freqüentador do teatro garagem e da 109 sul.

ainda assim, a existência era cinza diante do tédio da imensidão sem fim do planalto central -- pô, venho de uma cidade onde mar e montanha dividem (às vezes aglutinam) o monopólio da paisagem em quase todas as direções. o banzo era tão violento que eu parecia uma adolescentezinha com tpm, de tanto chorar.

eis que um dia, o rádio me desperta para o colégio com essa música, que eu não conhecia e que traduzia exatamente meu estado de ânimo. era um sopro de esperança e vigor, apesar da letra triste. ouvi-a com atenção, e depois esperei o locutor anunciar o nome e o autor. até hoje guardo-a com carinho.

10 abril 2008

o segredo

"In my opinion, the best thing you can do is find a person who loves you for exactly what you are. Good mood, bad mood, ugly, pretty, handsome, what have you, the right person will still think the sun shines out your ass. That's the kind of person that's worth sticking with."

não tem nada desse papinho fajuto de mentalizar grana, sucesso, o escambau. o segredo da felicidade está em seguir à risca essas frases aí em cima.

a propósito, o texto é da diablo cody, roteirista de juno, filme que estava no meu computador há um tempão e que só assisti agora. uma pequena jóia. recomendo.

08 abril 2008

memória coletiva

a caminho do trabalho, o ônibus manobra na tesoura do aeroporto santos dumont, ponto que marca o fim do aterro do flamengo.

o trocador, pensativo, começa a falar, um pouco para si mesmo, um pouco para o motorista, um pouco para a pequena platéia do coletivo vazio, da qual eu fazia parte.

"Carlos Lacerda... quem construiu isso foi o Carlos Lacerda" - disse, abarcando toda a extensão dos jardins artificiais com um movimento circular de queixo.

"Eu era novinho quando ficou pronto... tinha acabado de chegar ao Rio. Isso já faz 48 anos.

E lá se vai uma vida...

Carlos Lacerda... Carlos Werneck Lacerda...
"

ele escandia as palavras de maneira hipnótica, como se o nome do antigo governador da guanabara pudesse se sobrepor às memórias de sua própria vida.

logo estávamos na presidente antônio carlos, onde puxei a corda e desci. mas a vontade era continuar até o ponto final e além, puxando conversa sobre como era o rio quando ele chegou, quantos anos tinha, o que havia mudado nesse tempo todo, e como se tornou trocador.

nesse dia trabalhei pensando numa cidade que não existe.

06 abril 2008

domingueira

o prédio onde moro é constituído por apartamentos de dois tipos. os como o meu são chamados de quarto-e-sala. os outros, que tem um único cômodo, não sei como chamam, mas desconfio que uma lata de sardinhas deva ser mais confortável.

para mim, que vivo só (física, espiritual e sentimentalmente), o tamanho não é problema (o do apartamento, o meu já é outra conversa). mas há famílias inteiras que se amontoam nesses espaços exíguos. normalmente o pessoal se comporta e a vida em comum é tranqüila. quer dizer, suponho que seja, porque passo pouco tempo em casa.

mas aí chega o domingo. chove, e na noite anterior, como na outra, você esteve com umas companhias muito interessantes, de bom papo, e que gostavam de tomar umas cervejas. e o estoque de bebes era tão generoso, e o entendimento tão grande, que as conversas vararam a noite, até dia claro.

resumindo, você preferiu ficar em casa. quer dizer, preferi (por que eu estava falando na terceira do singular?). aí é aquela preguiça de domingo. uma musiquinha, um chazinho com bolachas, uma jarrinha de café para recuperar a energia, mas quem disse que tive direito ao sagrado sono da tarde?

os rebentos dos vizinhos, trancafiados no dia chuvoso, deviam estar subindo pelas paredes. pelo menos eram o que os berros deixavam transparecer. os pais, muito preparados, respondiam na mesma altura. e os cachorros, tão contrariados quanto eu, opinavam com seus latidos agudos.

deitado na cama, a cabeça escondida sob o travesseiro, entortava entredentes as palavras do poetinha:
"começo a achar herodes natural".